Verde para meninos, rosa para meninas

Com o devido respeito ao meu Salgueiro querido, vou propor o verde e rosa da Mangueira como cores obrigatórias para meninos e meninas, a partir deste governo (se podemos chamar assim) que começa. Explico: a dicotomia proposta é obsoleta e no fundo faz parte do plano do capitão de nos conduzir a meio século atrás. Com a proposta a ministra Damares Alves se adiantou só para puxar o saco do chefe, que deve estar rindo aquela risada de hiena constipada característica sua.

Além de conferir a meninos e meninas um aspecto menos embolorado para quem observa daqui do século XXI, as novas cores teriam o apelo extra de representar as nossas matas e os inúmeros matizes de rosa do nosso céu e da nossa flora. Esta interpretação serviria para dar embasamento cultural – e mesmo educativo – à medida, sem com isso impor ou impingir a ninguém a pecha de culto ou educado no governo. Longe de mim essa ideia!

Ademais, o verde na indumentária masculina evocaria desde os primeiros dias de vida os integralistas “galinhas verdes” das décadas de 1930 e 40 do século passado, cujo líder máximo Plínio Salgado há de ter inspirado as ideias absorvidas pelo capitão nos bancos que lustrou com sua farda escolar. Finalmente, o verde poderia remeter às “verdinhas” notas de dólar, incutindo mesmo subliminarmente nos meninos o gosto pela acumulação e concentração de riqueza tão bem assimilado pelos filhotes do presidente na extorsão de salários dos seus contratados no Legislativo, capitaneada (ops, perdão!) pelo já lendário Queiroz.

Como vemos, é tudo uma questão de como as “novidades” podem ser apresentadas à opinião pública. A ressurreição do azul para os meninos e rosa para as meninas, da maneira como se deu, soou mais como agressão à sociedade contemporânea brasileira e de boa parte do mundo civilizado do que como o pretenso resgate de usos e costumes abandonados pelo caminho percorrido tão penosamente. A rigor, nada deverá mudar no Século XXI, mas no Brasil profundo onde jamais se destinou senão o azul e o rosa para meninos e meninas, a declaração pública da ministra Damares Alves foi um alento, uma brisa vinda do passado que não passou, encorajamento para enfrentar as eventuais tentativas de romper a estrutura arcaica e apresentar o novo à sociedade.

A fala da ministra foi, na verdade, uma bofetada neste outro Brasil atual e vivo que rejeita o machismo, a homofobia, o feminicídio e os assassinatos de LGBTs. Quando reinstitui azul para meninos e rosa para meninas, Sua Excelência extrapola, sai da órbita institucional do seu ministério e emite um sinal positivo para aquele Brasil profundo não desistir de purificar a raça e resgatar os valores morais da família. E na esteira do seu “trabalho”, exterminar também índios e negros, pobres, umbandistas, ciganos, espíritas, budistas, ateus e agnósticos. Até atingirmos o honroso patamar de um país cristão e branco, mesmo com um vice-presidente de pele escura que se orgulha de embranquecer a raça.

Já que toquei na pele escura, vou dedicar a manutenção do rosa para as meninas ao grande Angenor de Oliveira, o Cartola, fundador e patrono das cores da Mangueira, que fugiu do vermelho para lembrar, com leveza poética, o seu tricolor das Laranjeiras onde viveu a primeira infância.

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Luiz Augusto Gollo
Editor, escritor e redator. Cinco décadas escrevendo para jornal, revista, televisão, vídeo, deputado, senador, ministros e até mulher de governador. Também para agências de publicidade, roteiros vários, campanhas políticas próximas e remotas...sem falar em ficção para televisão e livros e outras publicações. Ah, tem também a apresentação de programas de rádio e televisão, em Brasília e no Rio de Janeiro, de transmissão local ou nacional, de pouca ou muita audiência, sempre rompendo limites políticos, estéticos, morais e outros.