Arte: a resistência pela liberdade

Créditos - Arquivo pessoal

Ela não desiste diante de dificuldades; ela não perde a piada; ela não só conta como escreve ou ajuda a escrever a história de muita gente; ela não tem medo de enfrentar o que for para ser quem ela é; ela não foge da luta; ela não teme falar sobre sua sexualidade; ela não treme na hora de defender o feminismo. Ela é Nilda Andrade, de 29 anos, moradora do Complexo do Alemão. Em 2014, uniu-se com amigos e seu ex-diretor do curso de teatro e criaram o Contra Bando do Teatro. Mesmo com todas as dificuldades territoriais, eles resistem porque, como a própria Nilda diz, “a violência não pode vencer a arte, por isso, somos resistência”.

“O Contra Bando de Teatro surgiu porque nós do grupo participávamos de uma ONG como atendidos e aí, por conta da violência, a ONG sofreu represália e acabou que fechou. Eu até pensei que fosse acabar, mas nosso diretor, Mauro Marques, decidiu continuar e tocar pra frente o projeto independente disso e colocou o nome de Contra Bando de teatro porque é como se a gente estivesse contrabandeando arte, pra ninguém descobrir e etc. É até separado o nome “Contra Bando” porque também é contra o bando que oprime, contra vários tipos de coisas”, conta Nilda.

Créditos – Arquivo contrabando de teatro

Ela tem uma página no Facebook chamada “A fofa da Nilda” onde fala, com muito bom humor, sobre diversas questões, como o feminismo, a vida na favela e outros temas cotidianos, que, se explorados, rendem muito “pano pra manga”. Perguntei a Nilda qual a relação entre a arte e o feminismo e ela respondeu:

“A arte é completamente importante por feminismo. Se eu soubesse, na época que eu era adolescente, que o teatro é a liberdade, eu teria protestado por meio da arte ainda mais. A arte é isso: ser livre independente de tudo. Arte e feminismo podem até se misturar porque em ambos a gente procura voz e igualdade. A vida se mistura com a arte. Eu descobri que eu já era feminista há muito tempo e não sabia que a arte me dava voz, me empoderava. Eu podia ser quem eu queria ser e eu tava praticando feminismo sem saber. Antigamente, no início do teatro, as atrizes eram tidas como prostitutas porque quando a mulher quer tomar o lugar dela, assusta. A atriz de antigamente era empoderada sem nem saber o que era isso. Eram dona de si e como isso incomodava o sexo masculino, era tido como errado. Então é isso: arte e feminismo, na soma, é uma junção de forças.”

Créditos – Contrabando de teatro

Manter um grupo de teatro em comunidades não é tarefa fácil. Mas, mesmo diante de todas as dificuldades, o Contra Bando foi indicado a vários prêmios no festival FAETERJ, em 2014, recebendo um prêmio especial do júri com o espetáculo “Nada me aflige”. Perguntada sobre as maiores adversidades que enfrenta no dia a dia da arte comunitária, a atriz responde:

“ Eu precisei sair do meu lugar quando comecei no teatro, mas não quero que as crianças de agora passem pela mesma coisa. Então, eu digo que a maior dificuldade é o governo. As pessoas da favela são super receptivas, mas o governo não valoriza. Apesar de eu achar que nunca vai ter um valor suficiente pra arte porque é tão puro, tão genuíno que todo valor é insuficiente, toda remuneração não é o bastante. Quando algo vem de dentro e é verdadeiro, não tem dinheiro que pague. Mas a gente, além de não ser valorizado financeiramente, não somos em nenhum aspecto. Mesmo sendo entretenimento, é algo que te faz refletir. O teatro é o ato mais político com o qual eu já tive contato, tanto que as pessoas que faziam arte eram oprimidas na ditadura. Isso porque já se sabia que pela arte se podia falar do que tava acontecendo de forma bonita, mas reflexiva. Então a gente sofre mesmo é com a desvalorização. Mal sabem as pessoas o tempo que a gente dedica pra isso. Eu tive que sair de uma favela pra fazer teatro e ninguém se importa com isso; o governo não se importa. Até porque, se te faz pensar, não é importante pra eles. Pra quê eles vão te levar algo que te faça pensar? O teatro é uma arma muito forte então não é legal pro governo”

O teatro é, de fato, uma ferramenta de inspiração. Mas o artista também tem algo que o inspira. Nilda conta que, desde pequena, via as pessoas “dentro da tv”, e gostava de imitá-las. Quando compreendeu o poder de colocar em cena suas crenças, percebeu que queria ser atriz. “ A arte me inspira hoje porque eu posso contar diversas histórias sem ter medo. O teatro salva. Ninguém é rejeitado no teatro. O que me inspira é a troca de experiências pra poder contar histórias da melhor maneira possível”, conta. Pra seguir no mundo da arte, ela afirma que sua força é o fato de poder ser quem é no nos palcos. “Na arte, seja ela qual for, o fato é que somos cuidados. O que me faz querer seguir é que posso ser muitas coisas, inclusive eu”, diz Nilda. Com a arte, aprendemos sempre que podemos aprender mais. Refletimos sobre o que é realmente importante e, ao mesmo tempo, fugimos da vida real. Projetos como o Contra Bando de Teatro mudam vidas. Por isso, devemos reconhecer que, mesmo diante de todas as dificuldades, como diria Luiz Carlos da Vila, a nossa vida é um grande show e todo show tem que continuar.