Na semana em que o crime completa um ano a polícia anuncia a prisão de dois principais suspeitos da participação na execução de Mairelle Franco e Anderson Gomes. “Suspeitos” é uma forma elegante de dizer, nestes tempos em que a policia atira primeiro para perguntar depois e a justiça faz qualquer coisa para não ser investigada também. Ronnie Lessa é apontado como o executor, o que puxou o gatilho para a rajada. Não bastasse isso, mora no mesmo condomínio de Jair Bolsonaro, na Barra da Tijuca. Tenho certeza de que será preciso muito mais do que fake news nos tuítes para desmanchar esta verdade.
O outro preso é o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, motorista do carro que perseguiu Marielle, Anderson e Fernanda, a assessora sobrevivente. Ele não tem nada a ver com o Fabrício Queiroz que repassava o salário dos assessores do gabinete para Flávio Bolsonaro e eventualmente para a primeira dama Michele Bolsonaro, mas veio da Polícia Militar do Rio de Janeiro como os milicianos homenageados por Flávio com a principal medalha do estado. As ligações do então deputado e hoje senador com a milícia são cada dia mais óbvias, e também o envolvimento do seu pai hoje na presidência da república no “imbróglio”. A polícia mostra cautela por causa dos mandantes ainda não revelados, e também pelo alto calibre dos citados (é forte a suspeita de que as investigações levem aos meninos do capitão).
Ronnie Lessa, o vizinho de Jair Bolsonaro no condomínio, conduziu investigações sobre a vereadora Marielle Franco, o deputado Marcelo Freixo e o ex-interventor na segurança general Braga Neto, checando trajetos, agendas, horários e outras informações úteis aos seus propósitos. Talvez tenha cruzado nas alamedas do condomínio com algum membro da família, quem sabe o próprio presidente da república na época da campanha, quando pedia voto de porta em porta. Depois da eleição, é muito provável que a Segurança Institucional tenha procedido ao levantamento de todos os moradores e proprietários das unidades residenciais no entorno da casa do chefe de estado. Com certeza o presidente foi informado do vizinho potencialmente perigoso e deve ter tomado as precauções devidas, ou disse à segurança “é gente nossa, talquei?”.
O que chama a atenção hoje é a prisão de Ronnie Lessa às quatro e meia da madrugada em casa, ou seja, a polícia entrou pelo portão principal com o mandado de busca judicial, como diz a lei. A presidência da república terá sido informada previamente? E a Segurança Institucional? Quem responde, institucionalmente, pela segurança da família do presidente da república em uma situação como a do vizinho armado e perigoso? Afinal, o sujeito saiu de casa para executar uma vereadora da oposição a tiros e voltar como quem termina o expediente e vai descansar em família. Em poucas palavras: o vizinho do presidente é um assassino frio e calculista.
Ora, tendo em vista a medalha que Flávio pregou no peito de um miliciano foragido e as ligações próximas com o outro Queiroz e suas filhas, com a mãe do fugitivo e com o que há de vir à tona em depoimentos dos presos, não está clara a ligação dos Bolsonaros com o crime organizado mais barra pesada em atividade no país?
O primeiro saldo desta história é a exibição da fragilidade do governo, em termos políticos e morais. A bancada evangélica começa a debandar da base de apoio, contrariada com os cargos tomados pelos militares. A mesma coisa acontece com os Olavetes cuja demissão provocou o guru a, de sua casa nos Estados Unidos, pedir (tardia e pateticamente) aos ex-alunos que deixem o governo. E pelas ruas as pessoas começam a acusar o engano que cometeram elegendo um mentecapto. Em semelhante clima, vai ser difícil passar qualquer reforma da Previdência no Congresso – este será o segundo e mais positivo saldo da confusão.