Mais uma reintegração de posse sela o destino trágico de cariocas ou migrantes que lutam pelo direito à cidade, da ocupação “DENISE VIVE!”, na Rua General Polidoro nº 131, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio. Uma grande ocupação, um edifício de cinco andares, mais de 70 ocupantes, entre adultos e aproximadamente 20 crianças e adolescentes, comporam as mais de 20 famílias que foram despejadas às 9 horas da manhã desta terça-feira 2 de abril de 2019. Imóvel que há mais de três anos fora ocupado por catador de sucatas e há mais de um ano agregado coletivamente por grupo de trabalhadores do Rio de Janeiro que estrangulados pelo preço dos aluguéis dos imóveis que viviam antes, recorreram a medida mais viável economicamente, que é a ocupação.
Apesar do reforço do testemunho negativo à vida da cidade, serviu para relembrar o problema estrutural do litígio possessório dos grandes centros urbanos: a proeminência do direito liberal da propriedade sobre a função social desta que é uma das 10 sociedades mais desiguais do mundo, segundo o índice Gini da ONU, e com grave problema relacionado ao déficit habitacional. O Brasil, que segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2018, no quesito “distância entre ricos e pobres” do Índice de Desenvolvimento Humano, caiu 17 posições no ranking de países. Possui, segundo Fundação Getúlio Vargas, apresentado em janeiro deste ano, déficit de moradia na ordem de 7,78 milhões de unidades habitacionais, um aumento de 7% no período de 2015 a 2017.
O conceito de déficit habitacional da Fundação João Pinheiro é referenciada pelo Instituto de Pesquisa Urbano e Regional da UFRJ, que alimentado por dados censitários do próprio IBGE, define como sendo composto por três fatores: 1) precariedade (infra-estrutura); 2) coabitação familiar (famílias conviventes, ou cômodos alugados ou cedidos); e finalmente, ônus excessivo com o aluguel.
Segundo a Fundação João Pinheiro, em 2015, o Estado do Rio de Janeiro apresentou déficit de 460 mil imóveis, sendo 340 mil só na Região Metropolitana (RM) do Rio. Como era de se esperar, pela prerrogativa da renda até 2 salários mínimos, o ônus excessivo com aluguel tem papel preponderante na composição do déficit habitacional nas regiões metropolitanas. Representando, a RM do Rio de Janeiro 66,5%, dos 340 mil domicílios.
Criado em 2010 pela Fipe e o site ZAP de imóveis, o Índice Fipe Zap, como o primeiro indicador sistematizado da evolução dos preços do mercado imobiliário brasileiro, avaliou a queda os valores de locação de imóveis do Rio de Janeiro desde o ano de 2014, quando se sentiu a crise econômica que afligiu o país. Nos últimos 36 meses, o Fipe Zap apontou uma queda de 16,36%, localizando o Rio de Janeiro como o estado de maior queda de preços para locação e imóveis do Brasil nos últimos anos. O gráfico abaixo comparativo entre as cidades brasileiras, dos preços da locação de imóvel residencial, mostra o Rio de Janeiro como a segunda capital mais cara do país.
O segundo gráfico, revela uma queda vertiginosa o valor da locação no Rio de Janeiro a partir de 2014, quando a crise econômica abate o país. A recessão, por sua vez provoca a vacância dos imóveis (30% de todos imóveis comerciais e residenciais do Rio em 2018, com os residenciais aumento de 12,5% nos últimos meses do ano passado) e consequentemente a queda do seu valor (lei de oferta e procura). Porém, para o locatário, traz o desemprego e a queda do patamar salarial do trabalhador também.
Num município que apresenta um dos maiores índices de desigualdade social do país, enquanto capital, o peso do aluguel pesa para os mais pobres. O Atlas do Desenvolvimento Humano (IDHM), portal do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com a Fundação João Pinheiro, utiliza dados decanais do PNUD/ONU de 1991 a 2010. E muito embora o município do Rio de Janeiro tenha quase dobrado a renda per capta neste período, de R$ 887,06 a R$ 1.,492,63 , o Índice Gini, que vai de 0 a 1 e é utilizado pelo PNUD para medir a desigualdade numa média entre várias variáveis (como educação, longevidade, renda, e etc), impressiona.
No quesito Renda especificamente, cresceu de 0,757 a 0,840 entre estes 20 anos. Para se ter uma idéia, o Gini geral do município do Rio de Janeiro é de 0,639 em 1991 e 0,799, respectivamente a 2010, ainda altíssimo mas vejamos como a Renda pesa mais. E na hora de alugar é o que conta, e não a escolaridade, por exemplo. E quando discorremos sobre déficit habitacional estamos falando da população que ocupa a base da verticalíssima pirâmide social, os mais pobres da estrutura social. O índice Gini altíssimo deste automaticamente eleva o valor dos imóveis, seja venda ou aluguel, colocando a população mais pobre fora do acesso à cidade. De acordo com Evaniza Rodrigues, da União Nacional por Moradia Popular, entrevista ao ‘Brasil de Fato’ em 13 de agosto de 2018, 90% dos afetos por déficit habitacional são famílias com renda inferior a três salários mínimos.
O principal programa federal de moradia, o Minha Casa Minha Vida (MCMV) foi lançado em 2009 desde lá construiu mais de 5,2 milhões de moradias. Contudo, a partir de 2014 as obras apresentaram retardo a praticamente pararam, motivados inicialmente pela falta de verba sentidos os efeitos orçamentários da crise econômica, descumprindo contratos com construtoras. Desde 2016, com a saída do governo promovedor do programa, as coisas pioraram. Em maio de 2018, sob governo Temer, o governo Temer cancelou convênio para a construção de 44 mil unidades pelo Minha Casa Minha Vida Entidades (MCMV-E) – modalidade em que as próprias famílias se organizam para conduzir os empreendimentos.
O Governo Temer ainda extinguiu o Conselho Nacional das Cidades, principal órgão de participação social na política setorial. Seguindo o Decreto nº 9.076/2017, as atribuições da política habitacional foi velada da sociedade e da Conferência Nacional das Cidades a ser realizada. Em Junho de 2018, o então ministro das Cidades, Alexandre fez acordo com representantes da Marcha Nacional pelo Direito à Cidade, prometendo 29.500 unidades habitacionais do MCMV-E. Porém, aos 9 de agosto, o ministro declarou não haver verba para o acordo.
Em 2019 a pauta preocupa sobretudo com a vigência da PEC 55, que congelou por 20 anos os investimentos sociais. Com a gestão do presidente do PSL, o Ministério das Cidades foi extinto também e integra a pasta do novo Ministério do Desenvolvimento Regional. Aos 12 de março deste ano uma manifestação em Brasília reuniu mais de 300 representantes de organizações em defesa da moradia e dos trabalhadores sem-teto. O contrato que empreitava a construção de mais de 36,1 mil moradias pelo MCMV-E finalizava seu prazo em 31 de março.
Por outro lado, a Frente Internacionalista dos Sem Teto, a FIST, fundada e coordenada pelo advogado André Di Paula, mobiliza no Rio de Janeiro as principais ocupações urbanas do centro do Rio de Janeiro. Outras mobilizam outros movimentos de ocupações no Rio, como a União por Moradia Popular, o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e o próprio Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). o MNLN é responsável pela embaixatriz das ocupações, a Manoel Congo, atrás da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Andréa Ferreira, militante da FIST, e moradora da Ocupação Marighela, em Santa Teresa, denuncia que outras ocupações da organização estão sob ataque massivo do novo ano, sob o novo governador do estado Wilson Witzel e pelos órgãos municipais. “A Ocupação Antônio Gramsci, outra na Rua Silvio Romero, na Lapa, também estão sob ameaça, com liminares de reintegração de posse sendo ajuizadas em massa. Em Vila Isabel, a Ocupação Elza Soares e a Casa Nem que está dentro da Ocupação, estavam com ordem de despejo mês passado e conseguimos suspender”.
O processo da “Ocupação Denise Vive”.
Ezequiel, de 65 anos, integrava a cooperativa de trabalhadores de resíduos sólidos Copesul (RS) quando veio ao Rio de Janeiro procurar melhores oportunidade e acabou ocupando o imóvel na Rua General Polidoro, 131, em 2016. O imóvel é um edifício de 5 andares. E quando surgiu o grupo que complementou a ocupação, gradualmente, a partir do início de 2018, ele pensou que seria por bem “eu tô sozinho neste edifício enorme, então domorô, bora todo mundo entrar!”.
O atual líder da ocupação é Wilson de Oliveira Reis, de 40 anos de idade. Ele morava em Volta Redonda com a sogra, “de favor”. Por sugestão da sogra, veio com a família para o Rio de Janeiro à procura do emprego. Conseguiu um emprego no Hospital Souza Aguiar através de uma firma terceirizada, fazia manutenção e limpeza dos ar condicionados do Hospital. “Eu fiquei seis meses trabalhando, morando no Catete. O aluguel era caríssimo ! Só que como a prefeitura tá quebrada, fui mandado embora com uma frente e outra atrás tendo uma família pra sustentar”.
Desesperado, Wilson caiu na trapaça de um grileiro “pilantra” que queria ocupar o espaço da Rua General Polidoro 131 “para ganhar benefício”, como ele disse, ou seja cobrar aluguel ou simplesmente obter um mandato de remoção do proprietário para cadastrar-se no Minha Casa, Minha Vida. O intento do “pilantra” funcionou, fez a proprietária ajuizar uma ação para reintegração de posse, ação que corre na 16ª Vara Civil. E após algumas audiências judiciais a Juíza dra. Adriana Sucena Monteiro Jara Moura, em primeira instância, concedeu liminar de reintegração de posse. Em consulta processual, arrola-se 59 Réus do processo. Isso dá uma idéia da estimativa populacional da ocupação, ou seja, somam-se uns 20 menores, entre crianças e adolescentes.
Foi quando Wilson caiu em si, os moradores expulsaram o grileiro da ocupação. E em deliberação coletiva da ocupação, procuraram a FIST em janeiro de 2019, a Frente Internacionalista dos Sem Teto, para prestar assessoramento jurídico. À frente da FIST, o Coordenador da entidade e advogado André Di Paula junto ao jurídico representado na pessoa da Bárbara dos Santos, abraçaram a causa. “A partir deste momento iniciou-se um processo de conscientização de como assegurar a posse definitiva, assessorando os moradores” descreveu advogada Bárbara.
Neste momento foi dado o nome da ocupação de “DENISE VIVE !”. Denise foi uma militante de uma ocupação na Praça Mauá e faleceu. Em homenagem ao seu protagonismo a esta ocupação, lhe deram este nome. Enfim, foram interpostos vários intercursos judiciários na segunda instância. Inicialmente um Agravo de Instrumento, solicitando a suspensão da decisão liminar de reintegração de posse. Um Embargo de Terceiro foi utilizado porque o terceiro, o Ezequiel já precedia a ocupação do “pilantra” que prejudicou judicialmente a ação. Esta ação foi rejeitada dia 23 de março de 2019, pelo Desembargador Carlos Santos de Oliveira. E por último um Agravo Interno.
“O julgamento destes recursos será julgado hoje à tarde [terça-feira 2/04/19] em segunda instância”. No entanto a Juíza Sucena emitiu liminar segunda-feira 1 de abril de 2019, para a referida reintegração e posse”. Ou seja, pela manhã o despejo e à tarde o julgamento final do processo em segunda instância.
Bárbara protesta: “Era de bom senso aguardar o julgamento em segunda instância. Mas isso não ocorreu. Isso configura o cerceamento de defesa, não foram observados a ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal. Há irregularidades. O Conselho Tutelar se manifestou duas vezes no processo pedindo que se aguardasse. Que se fosse esperado que o trabalho de cadastramento , condução para o serviço social, matrícula em outras escolas. Mas tudo isso foi ignorado sendo explicitado em prevalência do direito à propriedade em detrimento ao princípio do absoluto interesse do direito da criança e do adolescente” .
“ Outra questão importante é que se trata de um conflito coletivo com mais de 20 famílias. E isso é de conhecimento da Juiza de primeira instância e da Juiza de segunda instância. Há leis, como o próprio Código do Processo Civil determina que, sendo um processo coletivo com mais de 10 famílias devem ser previamente intimados a Defensoria Pública, o Ministério Público para que eles atuem não como parte, mas defendendo o interesse da coletividade como fiscal da Lei, como ‘custus vulnerabilis’. Ou seja, como curador especial. Mas nada disso aconteceu”.
A remoção.
Segunda-feira 1º de abril, os moradores da Ocupação Denise Vive notificaram-se da mentira que é o Estado democrático de Direito ao receberem liminar determinando a reintegração da posse do imóvel da rua General Polidoro 131. As mais de 20 famílias da Ocupação Denise Vive passaram da noite à manhã da terça-feira, 2 de Abril, retirando os móveis.
Três Oficiais de Justiça, entre eles Moana Linhares, às 9hs da manhã da terça-feira 2 de Abril de 2019, estavam à porta da “Ocupação Denise Vive”. Conforme Lei estadual, foram intimadas a se apresentaram para cumprir a liminar de reintegração e posse deferida pela Juíza Adriana Sucena Monteiro Mora. Assim como três viaturas da Polícia Militar que empostavam-se à frente da ocupação. A plantonista do Conselho Tutelar da Zona Sul, Ivana Souza, parte da Secretaria Municipal de Assitência Social e Direitos Humanos, também foi intimada para “impedir que nenhum direito da criança e do adolescente fosse violado. Estou vendo esta consumação da reintegração e modo pacífico, não houve agressão de nenhuma das partes”.
Moana reiterou que “por enquanto tá pacífico, o advogado deles junto com os ocupantes deliberaram sair de modo pacífico”. Lamentou sobre o julgamento à tarde, em segunda instância: “Acontece que se ele tivesse dado efeito suspensivo, não estaríamos aqui, mas aí a gente tem que cumprir a diligência como ela está para gente aqui”.
Com os braços apoiados sobre o seu longo colchão branco da sua cama do lado de fora do imóvel, e a outra mão limpando as lágrimas, Silvana, de 39 anos, empregada doméstica, há quatro anos no Rio, vinda do estado do Pará, chorava. Tem três filhos, “tudo de maior”, e um adotivo de 7 anos de idade, Silvana está na ocupação há três meses. Ela morava no Estácio,
“pagava R$ 700,00 de aluguel e ganhava R$900,00 de salário. Eu nunca comprei uma calcinha desde que eu cheguei no Rio. Era tudo aluguel, aluguel, aluguel“.
Você dorme e o aluguel já tá na porta. E hoje ? Qual a solução que eles têm para a gente ? A gente vai ficar na rua ? Muitos vão pra rua. Pra onde que eu vou ? Só meus filhos que tão numa quitinete podem se virar, eu não” .
Por dentro do edifício, a plantonista do Conselho Tutelar acompanhava os oficiais de justiça que arrolavam os bens ainda existentes. Pelos andares, moradores desciam as escadas com parte das camas, fogões, geladeiras, televisões e colchões ainda presentes. Um cenário de mudança como qualquer outro, mas era despejo para moradores que tem a sina incerta numa cidade de privilégios.
Isabel Cristina Celestino Gomes ao lado da amiga Regina Alves, olhavam pela janela do seu quarto esvaziado o muro de Floresta da Tijuca, ao fundo atrás dos prédios, que erguia ainda o Cristo Redentor com os braços abertos para não se sabe quem.
“Quando a maioria do povo votou nestes aí, a gente já sabia que vinha esta luta aí pela frente, porque eles não gostam de pobre. E um cara que quebra a placa da Marielle em plena Cinelândia ? Que a gente ia pra rua, a gente já tava com esse medo”
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Há um ano na ocupação e 54 anos de idade, ganha seu pão de cada dia trabalhando de camelô em Botafogo e no Centro, sempre presente nas manifestações políticas. Curtia a companhia dos netos que sempre a visitavam na Ocupação Denise Vive. Tenho um filho de 23 anos. “Eu morava de aluguel na rua Paula Matos, em Santa Teresa. Eu morava antes encima na casa da minha mãe, na Vila Kennedy, mas não pode viver num lugar com a polícia entrando na sua casa, acordando no meio de tiro”. Violência policial fez ela mudar para a Rua Paula Matos, em Santa Teresa, no Centro do Rio. Mas “eu não conseguia pagar o aluguel, não dava para pagar R$900 de aluguel”.
Sua amiga Regina Alves, de 60 anos de idade, está na ocupação há três meses. Ela é diarista (empregada doméstica) e morava de aluguel nos arredores da Central Do Brasil. Mais uma que não deu conta do orçamento como inquilina. “A gente não quer morar de graça. Queria que eles fizessem algo, eu já me inscrevi no Minha Casa Minha “Dívida”, ironizou. Mas até hoje nada. Se eu não tenho imóvel, morar onde ?”.
Flávia de Oliveira Souza morava no Catumbi de aluguel para um quarto com banheiro, “R$450,00 de aluguel, chovia dentro, muito precário . Eu tenho com meu esposo uma barraquinha de côco na Rua 19 de Fevereiro”. Tem quatro filhos, dois meninos e duas meninas todos estudando em escolas ao redor e no Centro do Rio. Ela não sabe pra onde vai agora.
O líder Wilton de Oliveira Reis, no final desabafou: “Nós estamos perdendo a causa, porém fizemos muitas amizades, com vizinhos e lojistas, nos deram emprego e compraram com a gente no nosso brechó. Tem vizinhos que até choraram, eu até ia gravar um vídeo com um rapaz que chorou vendo nós irmos embora. Porque nós todos estamos aqui por que precisamos”.
“Todo mundo aqui trabalha, mas não tem uma vida digna!. Tem muito político que tem muitos privilégios que a gente não tem. E ninguém rala mais do que o povo da uma ocupação. Eu saindo daqui, se Deus quiser não na rua, mas começando do zero. Meu trabalho é aqui, meus filhos estão matriculados aqui, o posto de saúde fez o cadastramento de todo mundo aqui. Então nossa vida tá aqui. Agora não sei como será!”.
Bárbara, advogada da FIST, conclui: “fica explícito como, no Bairro do Botafogo, na Zona Sul, a propriedade foi privilegiada em detrimento à moradia e ao direito da criança e do adolescente. É preciso que o Judiciário esteja mais sensível para a questão da moradia. Vamos acionar as medidas judiciais cabíveis, como reclamação oficial no Conselho Nacional de Justiça. que possamos ter um outro olhar”.
A advogada lembra o Ofício nº 104/2019, do dia 29 de Março do Conselho Tutelar para a Juíza de Direito da 16ª Vara Cível, Dra. Adriana Sucena Monteiro Jara Moura, solicitando a ampliação do prazo para o cumprimento e mandato de reintegração de posse, “ até que as famílias tenham seus direitos assegurados pela Secretaria de Assistência Social e Diretos Humanos”. O Ofício visa “buscar evitar que as crianças e adolescentes sejam condenadas à experiência de situação de rua, exploração, trabalho, envolvimento com uso e comercialização de drogas, mendicância”.
A decisão liminar da referida Juíza fere justamente o Estatuto da Criança e do Adolescente. E neste sentido os Agravos emitidos pela FIST vêm em defesa do Art. 98 da Lei 8.069/90 (ECA), quando declara que “as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado”. E embora o Inciso X do Artigo nº 100 dê “prevalência da família na promoção os direitos e na proteção da criança e do adolescente”, as famílias estão sendo lançadas à rua, o que compõe uma contradição.
Cabe lembrar que o Ofício supracitado requisitou “documentos de identificação das crianças e dos adolescentes que residem na ocupação, situação escolar e comprovantes de vaconas dos membros para avaliar possíveis ameaças e violações dos seus direitos”. Afinal, o que o Conselho Tutelar está despachando é o cumprimento do ECA, em seu Art. 102. “As medidas de proteção de que trata este Capítulo serão acompanhadas da regularização do registro civil”.
À Tarde, 22ª Câmara Cível. A Segunda Instância.
Às 15hs iniciava-se, na Lâmina III, 22ª Câmara Cível, o julgamento dos Agravos e recursos da FIST. André Di Paula, advogado dos Réus, falou expressivamente na tribuna:
“São Tomás de Aquino disse que a terra é de quem nela vive e trabalha. Santo Ambrósio, outro da Igreja, disse que é da Avareza que surge o Direito à Propriedade. Já nosso ordenamento jurídico diz que a propriedade abandonada, sem função social não merece proteção jurídica. O Conselho Tutelar, a Assistência Social do Estado quis que a ocupação desocupação só ocorra após o encaminhamento das crianças, gestantes, doentes, deficientes, em abrigo e a matrícula em colégios que sejam próximos ao local da moradia. A questão do Menor está acima da propriedade. Mesmo que a propriedade tenha função social”.
O Defensor Público tomou a vez, por ordem e arguiu a favor da autora do processo, a proprietária Maria de Fátima Fernandes de Melo. Usou um argumento logicamente invertido, tal qual o presidente da república atual o faria, de comparar os ocupantes aos portugueses que esbulharam os índios nativos do continente.
Mas foi a vez do Desembargador dr. Santos de Oliveira dar a cara da justiça brasileira, ao fundamentar o ordenamento jurídico com a noção liberal da propriedade, inalienável e anterior ao ordenamento jurídico, como um direito natural. À qual a jurisdição lhe sirva cumprimento e adequação.
A traição da causa não se deu apenas pela justiça. Mas pelo intruso grileiro, que o líder da ocupação Wilson de Oliveira Reis chamou de “pilantra”. Porque na sequência do pedido de reintegração de posse em novembro de 2018, foi designada uma audiência para justificação prévia da parte dos ocupantes. Foi quando o “pilantra” ofereceu-se como única testemunha contra a decisão coletiva do movimento “Denise Vive!”, legitimando a ampla defesa processual. Esta falha nos atenta para organização da luta social estar alerta contra os próprios traidores.
Enfim, adecisão final dá juízo foi positiva para a proprietária do imóvel da Rua General Polidoro 131 do bairro da zona sul de Botafogo, às custas de mais de 70 Réus lançados ao léu da Cidade Maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro. Com muito desgosto nos retiramos da sessão de julgamento. André di Paula, a Laura apoiadora, mestranda do IPPUR/UFRJ, e eu. André Di Paula, consolou-nos que quase todos os ocupantes da “Denise Vive!” serão relocados para outras ocupações da própria FIST. E assim que saímos do edifício do Tribunal de Justiça, o telefone do André Di Paula toca e ele atende. Mais uma ocupação à vista !