A lembrança de um tiroteio que acontecia na favela Rocinha, no mesmo momento em que acontecia o Rock in Rio, inspirou o empresário Roberto Medina na criação Espaço Favela para a próxima edição do Rock In Rio, que acontecerá entre os dias 27 e 29 de setembro e 3 a 6 de outubro de 2019. Com uma cenografia grandiosa, lúdica e bem colorida, o espaço recriará o ambiente de uma favela.
ANF: Como surgiu a ideia do Espaço Favela?
RM – Olha, na verdade, a relação com a favela já vem de muito tempo. Eu, quando era garoto, brincava na favela. Essa relação entre asfalto e favela era uma coisa muito mais próxima do que é hoje por causa da violência e tudo mais. Eu cresci ali no bairro Peixoto e eu brincava na favela. As pessoas eram pobres, mas você não tinha essa diferença toda. As pessoas viviam os mesmos sonhos. Então já vem daí. E depois, em 2001, fizemos 70 salinhas de aula nas favelas, o Viva Rio e eu formamos quase 4 mil alunos. Eu me lembro do dia que subimos na favela para dar computadores e os moradores falando “muito obrigado” e eu disse: “eu que agradeço”, porque ver essa transformação é uma coisa fantástica.
ANF: O que lhe impulsionou, após a ideia do espaço, a bancar essa oportunidade?
RM – Na última edição, quando saí de casa e estava indo para o Rock In Rio, vi que estava havendo um grande tiroteio na Rocinha e pensei “Não é possível. Isso aqui não é possível. Eu tenho que fazer alguma coisa!”. Naquele dia, surgiu essa ideia do Espaço Favela.
Acredito que é possível dar luz à favela e discutir sobre. Uma coisa que é importante, às vezes, não é nem o que você está fazendo, mas o importante é você “bater tambor” sobre o que você está fazendo, pois assim se estimula políticas públicas. Então, quando falamos de favela, é um conjunto de coisas. A favela é um centro de criação muito importante. Ela é diversificada. Ela não é um tipo de música.
Hoje se relaciona o funk apenas a favela, o que não é verdade e o O Rock In Rio apresenta o Espaço Favela e o objetivo é que permaneça para as edições internacionais Rock in Rio está mostrando isso: A Favela é pop, é funk, é jazz, é tudo, né? Então, eu acho que primeiro se coloca sobre a diversidade da favela e de sua beleza. Ela vive um momento complicado por conta da segurança pública que temos no nosso estado, mas até para mudar a segurança pública tem que dar perspectiva às pessoas que estão morando ali, e que é possível sonhar. Eu vou convidar 500 filhos com o pai ou com a mãe para irem
ao Rock in Rio. Eu vou fazer um concurso nas escolas das favelas para dar esse convite. Quando se é de fora, dos Estados unidos, da Espanha e de Portugal, a notícia que se recebe da favela é o tiroteio e não sua beleza. Tentar transformar isso é uma coisa bacana. Para mim, é o projeto mais importante de todo esse Rock in Rio, é ao que eu mais me dedico. Eu acho que tem um erro em toda essa sociedade moderna; e não é só aqui, não é só no Brasil. É você pensar só em si. A minha questão com a favela não é só levar música para lá, mas é começar a discutir coisas que começamos. Por exemplo, eu pensei sobre uma vez em que vi uma matéria da Caixa Econômica, que financia, até 9 mil reais, para poder reformar sua casinha. Então fui ver que ela só faz isso se você for proprietário. Ou seja, tem que ter título de proprietário daquele lugar. Eu pensei que se pudéssemos fazer um trabalho fundiário para dar os terrenos para as pessoas que moram ali essas pessoas teriam mais prazer em morar ali. Com esse financiamento de 9 mil, aquela casa pode, portanto, ser pintada, arrumada etc. E só surgiram essas discussões, porque eu estava vendo essa coisa musical. Senão isso não estava sendo nem discutido. Eu quero a imagem da favela de quando eu era rapaz que era quase lúdica… Era brilho, alegria e boa música. Não era isso que estamos vivendo agora.
ANF: Você acha que esse novo espaço dentro do Rock in Rio pode ajudar a diminuir, pelo menos um pouco, esse sentimento de cidade partida entre favela e asfalto para sociedade?
RM – Acho que pode sim. É um passo de cada vez e esse é o primeiro passo. Nós não temos caminhada sem caminho. Essa relação entre asfalto e favela tem que acabar, não é possível ser assim. Então, eu volto a dizer que uma coisa que eu quero tentar é fazer com que o poder público possa, efetivamente, financiar para que as pessoas possam ter orgulho da casinha delas, do barraquinho… o que hoje é difícil, porque não se tem recursos para isso. É um sonho. Na minha vida, sempre foi assim. Todo mundo dizia que era impossível fazer isso sozinho. Mas, um dia, alguém acredita.
ANF: Fale um pouco das atrações que estarão no Palco Favela.
RM – Bom, as que eu vi, fiquei impressionado. Me lembro do rapaz que toca piano, jazz. Fiquei impressionado com aquilo, porque é muito diferente do mundo que você imagina da favela. As atrações ainda estão sendo contratadas, mas serão muitas! Logo serão anunciadas oficialmente. O que eu posso adiantar sobre esse Rock in Rio é que, pelos meus cálculos, serão 570 horas de música! Para você ter uma dimensão, no primeiro Rock in Rio foram 90 horas de música. Hoje temos mais de 600 artistas. E se você entrar às 14h e sair ás 2h da manhã, que é quando acaba, você não vê tudo. Não consegue. Então, é um negócio “pancada”… Acabamos um Rock in Rio pensando em como fazer mais. Tem em uma arena o espetáculo “Força Bruta”, que é incrível. Na outra (arena), é até difícil de explicar, porque é uma projeção no velódromo e aquilo vira um mar, também é incrível. Então, expressamos tudo que podíamos nesse Rock in Rio para que seja o melhor da história. E eu acho que é importante ser, porque é um momento difícil na história do Rio de Janeiro. Então, estou muito animado com o palco Favela. Acho que será a coisa mais diferente. E terá muito música boa.
ANF: O que esperar após o evento? Há alguma intenção de algum legado pós-RockinRio?
RM – Estamos levando para o mundo a ideia de que sabemos fazer isso melhor do que qual quer um, porque de fato somos muito melhores. Nós somos melhores em estrutura, mídia e vários aspectos. Meu objetivo é internacionalizar o Espaço Favela. Quero levá-lo para Lisboa. Eu tenho muito orgulho de pode dizer que aqui no Brasil, com todos os problemas que temos, conseguimos entregar um mega evento. O carnaval, por exemplo, é uma festa bonita, uma coisa impressionante, mas está malcuidado. O Rio de Janeiro basicamente vive de três festas: O carnaval, o Rock in Rio e o Réveillon. Essa é uma característica do Rio, então, quando você me pergunta do legado, acho que é turismo, entretenimento. Eu vivi num Rio de Janeiro que exportava cultura. Tudo começava aqui. Hoje, está ficando ao contrário, o que me irrita profundamente, porque eu sou um carioca doente. O que me dói mais é que o Rio de Janeiro está pronto. Se estivéssemos tendo essa conversa há uns 5 anos, poderíamos dizer que não tinha hotel, não tinha transporte. Mas hoje temos! Tem tudo no Rio de Janeiro. O que falta é o poder público entender que investimento não é só estrada e viaduto e que fazer festa não é jogar dinheiro fora. É exatamente o contrário no caso do Rio de Janeiro. Fazer festa é o nosso negócio. Fazer festa emprega. Se fizéssemos um projeto minimamente decente no Rio de Janeiro teríamos 200 mil empregos em uma hora. Mas, precisamos fazer os nossos políticos entenderem que o caso do Rio de Janeiro é prioridade e não tem plano B. O debate sobre esse assunto também é um grande legado. Só de estarmos aqui, tendo essa conversa sobre a favela já traz esperança para vida das pessoas. Esperança é um negócio que muda a vida das pessoas. Está faltando a sociedade civil e o Estado se unirem para darem esperança para a sociedade.
*Entrevista publicada no jorna A Voz da Favela edição de abril de 2019.