A questão das drogas também é uma questão das mulheres

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Prisões relacionadas a drogas estão entre os maiores motivos de encarceramento em massa no mundo.  Cada vez mais os movimentos sociais, pesquisadores e ativistas denunciam a “guerra às drogas” como uma política custosa e que serve para justificar operações altamente militarizadas, o genocídio da juventude periférica, políticas higienistas e racistas.

No Brasil, o Sistema Nacional de Política Pública sobre Drogas (Sisnad), é instituído pela Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, que de acordo com os dados fornecidos pelo Departamento de Informações das Penitenciárias (Infopen) 2018, contribuiu para uma explosão dos indicies de encarceramento e endurecimento das penas, chegando a um aumento de 300% da população em prisional, causados sobre tudo por crimes relacionados a drogas e pela prisão de mulheres.

A lei antidrogas, segue vigente e cada vez mais severa, tipificando como crimes inafiançáveis, insuscetíveis de sursis (suspensão de pena privativa de liberdade), indulto, liberdade provisória”, qualquer apreensão relacionada à venda drogas, funcionando como um filtro de criminalização da pobreza, ou seja, qualquer pessoa que não seja indiscutivelmente usuária, vira traficante. Desta maneira fica nas mãos exclusivamente da segurança pública e do judiciário o poder de definir quem abordar, quem será considerado/a traficante ou usuário/a, quais pessoas apresentam “risco” para a população e quem devem ser mantidas longe da sociedade. Na prática é um modo eficaz de manter o controle a partir do uso da força sobre pessoas negras, pobres e periféricas e não atinge os grupos de verdadeiros traficantes que enriquecem com o comércio de substâncias ilícitas. E assim como a realidade fora das grades, a prisão acentua as opressões de classe, gênero e raça.

O sistema prisional e falta de debate sobre as drogas, contribuem para potencializar as violências contra a mulher, desde antes do consumo e venda de drogas e da abordagem policial. As mulheres já sofrem opressões pelo sistema capitalista patriarcal vigente que são determinantes para construção sexista da política de guerra ás drogas. Esse sistema opera desde o consumo sem consciência e controle de usuários, que enquanto para homens serve como salva-conduta para comportamentos de violência contra a mulher – o consumo de drogas por diversão tem o objetivo de gerar prazer e no contexto machista em que vivemos o ápice do prazer seria o corpo de uma mulher -no caso das mulheres vítimas de violência sexual que estejam sob efeitos de drogas são julgadas como merecedoras da violência – são vistas como mulheres sem controles e que oferecem seus corpos. Desdobra nos motivos que levam as mulheres aderirem ao tráfico que variam desde necessidade de gerir suas famílias e obter renda, relacionamento e envolvimento em relações abusivas até mesmo coerção de traficantes, além das piores remunerações e constante exposição a violências. Na abordagem policial, mulheres são vítimas de revistas vexatórias, agressões verbais, físicas e sexuais além da supressão de informações como maternidade, escolaridade entre outras que dificultam o acesso dessas mulheres a certos direitos, como a prisão domiciliar. Monitoramento, acesso a escolarização. E já dentro do sistema prisional o machismo opera no controle das visitas íntimas, repressão de relações afetivas, na promoção de tarefas domésticas às mulheres e trabalhos que reforçam estereótipos de gênero, afastamento dos filhos e da família e o julgamento moral.

O mundo do tráfico assim como o mundo do judiciário é extremamente machista, objetifica a mulher e vê como ser dispensável – no caso do tráfico – mulheres são recrutadas como “mulas” exatamente para serem presas durante o processo e desviar atenção da polícia para maiores carregamentos – no caso do judiciário pela supressão de direitos e constante invisibilidade. Reconhecer essas desigualdades de gênero não se trata de colocar mulheres como meras vítimas de homens por não saberem se defender, mas sim sobre acentuar e enfrentar a realidade do machismo também no tráfico e nas condenações. Penalizar as pequenas atividades de tráfico incide de maneira mais severa sobre as mulheres, pois esse trabalho é visto como alternativa de acesso a renda que economia formal que são negadas e permite que cumpram expectativas sociais, como ter renda para os filhos, prover acesso médico, manter a casa e também ter acesso a produtos de beleza e roupas desejáveis para homens.

A seletividade penal atua como mecanismo na guerra às drogas e resulta no agravamento das desigualdades de gênero, raça e classe e é partir dessas reflexões que se tornam possíveis a construção de uma política real de controle ás drogas que não tenham como único objetivo o encarceramento e controle de um tipo especifico de pessoas, em especial mulheres. Uma política que veja o uso de drogas como um todo e não apenas em contextos de periferia, que a política de drogas fale sobre remédios, álcool, substancias que fale sobre vida e não sobre morte específica de um tipo só população.