Anitta, Rennan da Penha e a criminalização do funk carioca

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Larissa de Macedo Machado, 26 anos e ex-moradora de Honório Gurgel, bairro da considerada classe C, localizado na zona norte do Rio de Janeiro. Essa poderia ser facilmente a descrição de uma jovem carioca qualquer, exceto que estamos falando do fenômeno da música brasileira, Anitta, reconhecida mundialmente por seu trabalho e sua origem no funk, um dos ritmos musicais mais populares do Brasil.

Atingindo um sucesso estrondoso com seus hits “Show das Poderosas”, “Bang” e “Paradinha”, Anitta se consolidou no cenário mundial da música, chegando a fazer shows internacionais e colaborações com artistas renomados como Madonna, Major Lazer e Maluma. Entretanto, não é por acaso que seus principais trabalhos venham do ritmo do funk, local musical de origem da cantora, que começou sua carreira como Mc Anitta, na antiga Furacão 2000 – gravadora responsável por divulgar e popularizar o funk carioca nos anos 2000.

Anitta em seu início de carreira, oriunda do funk. Foto: Reprodução

Rennan da Silva Santos, 24 anos e morador da Penha, um bairro conhecido por suas favelas, localizado na zona norte do Rio de Janeiro. Esse poderia ser mais um pobre morador de uma favela, com a exceção de que esse jovem é um fenômeno do funk carioca, mais conhecido como o DJ Rennan da Penha. Idealizador do Baile da Gaiola, o funkeiro emplacou diversos hits e se tornou a cara dos conhecidos bailes de favela.

Há mais de 3 meses na cadeia, o DJ recebeu um mandato de prisão, no dia 23 de março, por associação ao tráfico. Segundo a justiça, Rennan atuava como olheiro nos bailes funks que realizava, informando aos traficantes quando a polícia estava entrando na favela. Tal condenação é contestada até hoje por diversas esferas da população, uma vez que não foram obtidas provas concretas que ligassem o cantor à tal crime, apenas relacionando o fato do mesmo produzir um baile dentro da favela a ser envolvido com o crime.

A tentativa de criminalização do funk é um projeto antigo e recorrente, a justiça tenta a todo momento acabar com os bailes de comunidade, como pôde ser visto com a tentativa de proibição do Baile da Penha. É dentro desse cenário que se faz importante o apoio e fomento à visibilidade da cultura dentro das favelas, com o funk sendo seu principal e mais conhecido meio cultural. Tal visibilidade que vinha sendo criada com o Rennan da Penha, responsável por colocar a Favela da Penha dentro do cenário cultural carioca.

Rennan da Penha atingiu grande sucesso no Brasil com o funk carioca. Foto: Reprodução

Com a prisão do Rennan, diversas personalidades da mídia, oriundas de bairros pobres, prestaram apoio ao DJ e reiteraram a importância que o mesmo teve para alavancar a visibilidade das favelas. Em contrapartida, Anitta, o maior nome da música brasileira na atualidade, orgulhosa de seu passado como moradora de Honório Gurgel, se tornou a epítome da invisibilização da cultura do funk carioca ao se calar diante de um acontecimento tão impactante na realidade dessa camada mais frágil da sociedade.

A cantora vem sendo alvo de críticas por manter seu silêncio em relação a diversos acontecimentos da atualidade. Um caso de extrema revolta por parte de seus fãs, maioria mulheres e LGBT, foi seu silenciamento em relação a candidatura e eleição de Jair Bolsonaro, atual Presidente do Brasil, reconhecido por ser contra muitos dos direitos pelos quais tais minorias lutam para obter na sociedade, como salários igualitários e o direito ao casamento homossexual. Anitta é assumidamente bissexual e se diz a favor de direitos igualitários para todos.

Vivências muito semelhantes em um primeiro momento que acabaram por se tornarem duas realidades completamente distintas. Enquanto o DJ sofre na pele o peso da discriminação ao pobre, favelado e funkeiro, a cantora vive um sucesso internacional e recorre ao funk e a favela nos momentos em que precisa gerar uma maior visibilidade para si, como nas gravações dos clipes de “Vai Malandra” e “Bola Rebola”, duas músicas que viraram hits, elevando ainda mais o sucesso de Anitta.

Anitta foi até uma favela gravar o clipe do seu hit “Vai Malandra”. Foto: Reprodução

Vale se questionar até que ponto a glamourização da vida favelada recriada por Anitta em seus clipes reflete a real vivência de seus moradores e trabalhadores, que buscam no baile funk uma fuga da difícil realidade cotidiana. Realidade essa que, quando passada de forma mais humana e real por um ainda morador da favela, termina em criminalização e prisão. Poderia uma cantora, mundialmente conhecida, ser a porta de entrada para reais mudanças no funk carioca caso a mesma se posicionasse e usasse sua visibilidade para dar suporte a um DJ, condenado por um projeto de justiça que visa acabar com esse mesmo funk que a lançou para o Mundo?