Bola da vez

 

A denúncia de que procuradores da Lava Jato orientados por Sérgio Moro vazaram informações a colegas venezuelanos da oposição a Nicolás Maduro abre um novo capítulo no escândalo que se avoluma a cada publicação do The Intercept Brasil. A partir de agora aparecem personagens estrangeiros em ação para desestabilizar o governo de seu país com a prestimosa colaboração da Lava Jato. Não à toa, nos diálogos entre os procuradores brasileiros está claro um certo temor, mas a ousadia venceu o medo e apenas alguns dias depois da matéria do The Intercept Brasil o ministro Sérgio Moro anunciou licença de uma semana para cuidar da vida particular – sinal de que a pública precisa de cuidados. Será substituído pelo Secretário Executivo, que é o vice-ministro de fato e terá a atribuição de assumir a investigação sobre o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, por enquanto alvo de maledicências nas redes sociais ligadas ao bolsonarismo.

O possível desdobramento internacional da Vaza Jato será consequência, também, das ações oficiais e oficiosas contra Greenwald no Brasil. A notícia de que a polícia o investiga tem provocado protestos em instituições dos Estados Unidos pela liberdade de imprensa. Registre-se ainda que a repercussão mundial dos vazamentos publicados confere ao ex-juiz a marca de bandido, segundo opiniões da mídia e dos meios jurídicos europeus e americanos. Mesmo no Brasil, onde a imprensa é cúmplice de primeira hora da polícia, do Ministério Público e dos tribunais, alguns juristas e advogados têm condenado a condução dos processos da Lava Jato de maneira geral.

O país só perde com esta repercussão externa a partir da Vaza Jato. Pode não ser a nossa desgraça, mas a destruição das empresas privadas, a venda das estatais, a farra do pré-sal e todos os demais ataques à soberania mostram ao mundo que não temos instituições sólidas nem suficientes para defender o patrimônio público e que nem mesmo temos um povo digno da cidadania que muitos defendem aqui. Mais do que nunca, somos uma república de bananas, e nossa gente parece se orgulhar disso. Neste aspecto, Bolsonaro nos devolve há meio século no passado, sob aplausos.

A esperança, ainda que pareça sonho de uma noite de verão, é de que a revelações do The Intercept Brasil estejam num crescendo. Começaram com ar de fofoca, foram subindo o tom, envolveram FHC, juízes, agora procuradores venezuelanos…e neste passo logo teremos a confirmação da direção e supervisão norte-americana, com fatos, datas, nomes e funções dos gringos.

A esta altura do campeonato, Glenn Greenwald já sacou que o impacto de suas matérias no Brasil não é o bastante para despertar reações das classe médias e dos trabalhadores – nem mesmo os intelectuais e acadêmicos estão cem por cento com ele. A invenção de hackers é amplamente aceita nas hostes bolsonaristas e alcança muitos leitores de Veja, mais perdidos do que cego em tiroteio nos dias que correm.

No Brasil, à direita e à esquerda, as pessoas tendem a desejar que o presidente da república resolva seus problemas – para isso votaram nele. Diante da expectativa frustrada, defendem substitui-lo ou voltar à ditadura militar, na ilusão de que os generais são a solução. Vivendo no Rio de Janeiro há mais de dez anos, Glenn já percebeu que o Brasil nunca foi protagonista da sua própria história, tem complexo de colônia e Bolsonaro é a personificação disso hoje, como Dilma foi, ao acreditar que os Estados Unidos não tiveram nada com o seu impeachment. Na real, Greenwald está focado no que começou lá atrás, com Edward Snowden e os segredos da CIA. Seu objetivo é desmontar a máquina americana de fazer guerras e fabricar ditaduras, matando civis e destruindo países. Por sorte da história, o Brasil é a bola da vez.