Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal estão espantados com os rumos do bolsonarismo e somam-se à crescente parcela da sociedade decepcionada de ter depositado nele as esperanças. A cada atitude, a cada declaração revela-se mais nítido o viés totalitário de Bolsonaro, sua ojeriza à inteligência, à cultura, ao saber e ao direito onde atuam Reale Jr e Janaína, hoje deputada estadual em São Paulo com votação consagradora.
De uns tempos para cá, o dilema dela é não ter a imagem contaminada pelos desatinos do partido que abriu as portas do seu sucesso político sem renegar as origens, mas desvinculando-se da figura presidencial (cada qual com sua loucura). Tarefa difícil; afinal, nunca se havia ouvido falar da professora de direito Janaína Paschoal antes do processo político que resultou na ruptura da democracia “com o Supremo, com tudo”, como preconizou Romero Jucá lá atrás.
O jurista, por sua vez, vem da linha integralista dos tempos de Getúlio Vargas, seu pai defendeu o alinhamento aos alemães na segunda guerra, apoiou o golpe e a ditadura militar de 64, foi um conservador a vida inteira e criou o Júnior dentro dos mesmos cânones. Há, no entanto, a diferença cultural entre Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal que os distanciou nas eleições que se seguiram ao golpe iniciado no pedido de impeachment de Dilma Rousseff, em 2015.
Ignoro de propósito o advogado Hélio Bicudo porque embora personagem de proa do episódio movia-se por um ressentimento sem tamanho contra Lula e o Partido dos Trabalhadores apontado por seu filho José Eduardo ao denunciar a exploração política da fama paterna como o homem que enfrentou o Esquadrão da Morte do delegado Sérgio Fleury nos anos 1970, auge da ditadura.
A bagagem intelectual e acadêmica de Miguel Reale Jr é a raiz da indignação exposta no artigo assinado no Estadão no último fim de semana, cujo título de certa maneira antecipa o conteúdo: “BolsoNero”. Ali o jurista enumera uma série de atitudes de iniciativa presidencial ofensivas à democracia, aquelas mesmas que núcleos e personalidades de oposição ao governo vêm repisando em fóruns, redes sociais, mídia independente e conversas de botequim.
É bem vinda a indignação de Reale Jr, com certeza emprestará força ao coro em defesa dos direitos humanos, do estado de direito e contra a onda obscurantista. Mas é preciso dizer que as palavras com que encerra seu artigo tem pouca valia no momento que vivemos: “Estamos, talvez, diante de um simplório plano de dominação, para o qual se deve estar bastante alerta.”
A advertência é digna do Conselheiro Acácio; espera-se do jurista renomado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, membro a Academia Paulista de Letras e, mais ainda, ex-Ministro da Justiça e co-autor do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff que aja com vigor renovado e redobrado na restauração da ordem democrática no país.
Seu artigo é quase um “mea culpa” envergonhado e tímido e ao ler tive a sensação de ter sido inspirado por um anjo próximo que lhe soprou no ouvido “Olha a baderna em que o senhor nos meteu, vovô!” Mas é pouco, professor. Se até Janaína, a celerada, tenta, aflita, pular do barco, o senhor pode e dever fazer o possível para botar de novo nos trilhos e trem que descarrilou.
Para o artigo de Miguel Reale Jr, acesse https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,bolsonero,70002952959.amp
Para as declarações de José Eduardo, acesse https://www.ocafezinho.com/2015/09/19/o-depoimento-do-filho-de-bicudo-sobre-a-guinada-golpista-do-pai/amp/