Alguém tem visto nosso presidente nos estádios de futebol nas últimas semanas? Sabem por que? Ele não gosta de futebol, na adolescência foi goleiro sofrível em Eldorado Paulista. Depois cresceu, virou militar e foi ainda pior. Rompeu as regras disciplinares, foi pra rua pedir aumento, escreveu artigo de revista, deu entrevista com detalhes de atentados a bomba que planejara, foi punido e em seguida absolvido, deixou o exército e se tornou um político pior do que o goleiro e o político de anos atrás.
Nunca fez nada de bom, se elegeu seguidas vezes com apoio crescente da camada mais prejudicada pela mídia nacional, em especial a do Rio de Janeiro. Chegou a ser o deputado federal mais votado do estado em 2014, com mais de meio milhão de votos, com o auxílio luxuoso da milícia. Até então nunca se havia visto ele em nenhuma partida de futebol. Por que se tornou um aficionado tardio, este ano?
Em primeiro lugar, porque surfar na onda da popularidade no futebol sempre foi uma boa. Em 1970, o general Emílio Garrastazu Médici, que ia ao estádio com radinho no ouvido, profetizou a goleada de 4 a 1 na final da Copa e se deu bem, claro. Bolsonaro mantinha a foto oficial de Médici em seu gabinete de deputado. A dos outros quatro ditadores fardados também. Afinal, ele é o próprio filhote daquele tempo tenebroso da nossa história jamais ensinado e explicado nas escolas. Daí termos homens e mulheres de meia idade a repetir que não houve ditadura e que se alguém apanhou, sofreu tortura ou morreu foi porque mereceu.
Espancamento e execução sumária sempre vitimaram os pobres neste país, mesmo durante as gestões Lula e Dilma. Violência e silêncio são pilares da sociedade. Dia desses, ao explicar por que não tornaria gratuitas as bagagens nos aviões, o presidente disse “Quem gosta de pobre é o PT”. Aí está o resumo da filosofia do governo: ele é declaradamente contra a pobreza, mas eliminando os pobres – dos voos, das oportunidades, da vida.
Nosso presidente não tem comparecido a jogos de futebol porque começou a ser vaiado com ênfase cada vez maior nessas ocasiões. Tem preferido solenidades em recintos fechados e com convidados selecionados a exposições em público. Vai ao Nordeste inaugurar obras e os governadores locais não dão as caras. A claque é levada pelo cabresto por gente rica que anseia pela volta dos antigos coronéis que distribuíam dinheiro com uma mão e mandavam matar desafetos com a outra e ainda encomendavam flores e iam aos enterros. Esse é o pessoal do nosso presidente.
Quando foi ao Mané Garrincha, em Brasília, assistir ao jogo em companhia de um Sérgio Moro visivelmente desconfortável, em junho, sua popularidade ainda era razoável, mas desde então as revelações da Vaza Jato, que apenas começavam, ganharam vulto e envolveram muita gente graúda. À luz delas, vê-se com clareza não só toda a armação contra Lula como também os conchavos, os bastidores. Se Moro não fosse ministro, o governo não estaria na linha de fogo, mas não é o cenário. As conversas entre ele e o chefe da força tarefa de procuradores no Paraná trazem de volta à pauta até antigas suspeita sobre a morte do ministro Teori Zavaski, o único do Supremo do lado da lei, contra o rolo compressor de Curitiba. Pode parecer pouco, no entanto é perigo sempre presente para sobreviventes, togados ou não.
Uma maioria silenciosa que já percebeu a armadilha de eleger o capitão não vai pra rua pedir sua cabeça nem baterá panela na varanda, porque embora pobre tampouco gosta de pobre, e menos ainda de preto pobre. Tem dinheiro para o ingresso no estádio e aproveita a solidão da multidão para extravasar na vaia sua insatisfação. Nelson Rodrigues dizia que o Maracanã “vaia até minuto de silêncio”, uma hipérbole, com certeza, pois não se verifica na realidade dos estádios. A torcida vaia aquilo de que discorda, a má atuação de um jogador, um time, um árbitro, uma autoridade anunciada nos alto falantes e mostrada nos telões.
Por isto o presidente não voltará ao campo nem para prestigiar ministros que viraram pedra no sapato. Bastam as suas próprias gafes e frases infelizes para ampliar o incômodo da sua presença no Palácio do Planalto. Ainda vai demorar um pouco para as revelações dos intestinos do poder empestearem o país e o mundo. Mas elas vão se espalhar, na medida em que o funcionalismo público nos três níveis e os enganados de todas as classes enxerguem em si próprios vítimas do estado policial desse incapaz eleito pelo misto de ganância e fraude.