A cidade que foi batizada com o suntuoso nome de maravilhosa é a mesma que abençoou Cartola, Pixinguinha, Sinhô, Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, só para citar a nata do samba e da malandragem. E para não se fazer de rogada também acalentou o sonho dos roqueiros da Blitz, Legião Urbana, Cazuza e do lendário Serguei, além, claro, de ser berço da Bossa Nova e do Funk.
Ser cidade em si já seria uma ousadia diante do esplendor da baía de uma guanabara de curvas belas e vista inigualável, mas eis que a cidade de São Sebastião permite ser tão sofisticada que em pleno dia de São Cosme e São Damião concede a bênção aos deuses do Rock para abrilhantar mais a história da terra que é banhada por um rio e deixa deságuar sob seu solo um mar de muitas emoções.
Mergulhar na Cidade do Rock é banhar-se duas vezes no mesmo Rio: um rio que transpira amor e ao mesmo tempo nos tira o fôlego com suas contradições. Doutro lado há um Rio que chora o choro dos que combalem na insana guerra às drogas. Uma guerra que ceifa vida de jovens negros que não tiveram a oportunidade de brilhar no palco da vida. Jovens negros, negros como a negra Marielle e a negra jovem Ágatha que tiveram suas vidas interrompidas por nossa incapacidade de dialogar com aqueles e aquelas que nasceram no gueto – e morrem no gueto. Morrem não, são assassinados por um Estado que concede ao policial o direito de matar e não ser condenado por suas atrozes ações.
O Rock In Rio 2019 buscou inovar ao inserir a favela em sua agenda. O que poderia ser positivo parece-me o mais do mesmo porque contextualiza a favela num cenário glamourizado onde as múltiplas cores dos barracos de longe lembra a realidade dura e cruel dos moradores que sobrevivem na periferia sendo agredidos de todas as formas, sendo que a pior e mais dilacerante é a violência policial que trata os favelados como inimigos a serem combatidos e alvejados – ou melhor: eliminados!
E como o Rock & Roll nasceu rebelde, acredito que ele precisa deixar um recado bem claro: a cultura da favela não pode ser consumida por uma classe média branca que aprova e apoia a morte de pretos e pobres que vivem nos guetos urbanos chamado favela.
Não basta um palco para expressar a arte da favela, é preciso que o palco seja o lugar de todos aqueles e aquelas que nasceram para participar de um mundo melhor. Imagina se “a vida começasse agora, e o mundo fosse nosso de vez, e a gente não parasse mais de se amar, de se dar, de viver” e de morrer numa guerra que erra quando escolhe o alvo negro e pobre – o favelado.