O que vocês fizeram no verão passado

 

Quem se mete com esse quarteto assina sua sentença e põe a corda no pescoço

Aí vem o fim do ano e com ele de novo o verão. Se consideramos o verão passado o começo da atual administração, as vítimas espalhadas no caminho este ano somam contingente impressionante de abatidos nos diversos escalões do governo. Primeiro foi o ex-senador Magno Malta, seduzido pela promessa de um ministério e logo abandonado sem dó nem piedade na estrada da vida. Dizem que houve veto militar à indicação, mas vai saber o que aconteceu de verdade. Mistério de filme de terror americano.

A segunda vítima foi Gustavo Bebiano, ex-secretário geral da presidência que se tornou íntimo de Bolsonaro durante a campanha presidencial, mas caiu em desgraça com Flavinho, Dudu e Carluxo, também conhecidos por “os três porquinhos”. Bebiano tratava Jair por “capitão” e gozava de tanta confiança que para tirá-lo do Planalto ofereceram a embaixada em Roma e uma diretoria da Itaipu Binacional, que ele rejeitou: “Bolsonaro atira nos seus soldados pelas costas”, desabafou à época. O presidente chegou a dizer “se ele abrir a boca eu tô fudido”. O estilo é o homem, já sabemos.

Isso foi no comecinho do governo, a Terra era plana, o país não se tornaria uma Venezuela e nossa bandeira jamais seria vermelha. Dali em diante, a sucessão de demissões e brigas seguiu em louca escalada e os megaempresários e donos da mídia passaram a desconfiar que o seu Frankenstein é, na melhor das hipóteses, um imbecil cercado de insanos inspirados por Olavo de Carvalho, para quem o pulmão faz mal ao cigarro e os avanços em todas as áreas do conhecimento são na realidade símbolo do atraso.

Um a um, caíram o presidente da Fundação Nacional do Índio, Franklimberg Freitas; o ministro da secretaria de governo, Santos Cruz; e Juarez Cunha, presidente dos Correios. Três generais da reserva, direitões e reaças como o capitão. Perderam o cargo também o ministro da Educação, Ricardo Vélez; o presidente do BNDES, Joaquim Levy; e o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, os dois últimos da equipe de Paulo Guedes, cujas ameaças de “deixar tudo e sair do Brasil” lamentavelmente não se cumpriram.

Tem ainda o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão; o agrônomo Sebastião Barbosa, da presidência da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária; e a presidente da Embratur, a ex-deputada emedebista Teté Bezerra. A lista é longa e cansativa, mas as razões quase sempre são discordâncias com o presidente ou pedidos de sua base parlamentar. É o velho aparelhamento que ele acusa o PT de ter promovido em seus governos.

Neste ritmo frenético, as disputas internas do Partido Social Liberal, o PSL, parecem intrigas de colégio interno. A ex-líder do governo Joice Hasselmann, também chamada de “maionese Helman’s”, defenestrada da função pelo clã Bolsonaro, disparou no tuíter: “Não se esqueçam de que eu sei quem vocês são e o que vocês fizeram no ano passado”. O major Olympio, líder do partido no Senado em guerra aberta e franca, quer a saída de Flávio Bolsonaro do PSL e disse que ele “só traz muita vergonha a nós”. O ex-líder do partido na Câmara, Delegado Waldir, explodiu: “Andei no sol em 246 cidades gritando o nome desse vagabundo”. O vagabundo é o presidente e o delegado foi substituído por Eduardo Bolsonaro, o que está longe de ser escolha sensata. Enfim, sensatez não combina com o governo.

Por trás da troca de tiros no PSL estão os recursos financeiros do fundo partidário a que faz jus como grande partido político saído das urnas de um ano atrás. São R$ 8,3 milhões mensais, mas ele não tem diretórios ou está com a estrutura partidária suspensa por falhas nas prestações de contas e outras irregularidades em quatro de cada cinco cidades brasileiras, pelos dados do TSE.

A briga de hoje é em nome da moralidade, da transparência e do combate à corrupção, mas é preciso ser muito ingênuo ou burro para acreditar nisso. A cada dia está mais clara a determinação destrutiva do governo. O que fizeram no verão passado os Bolsonaro e seus correligionários e asseclas foi, ao tempo em que entregam o país de mão beijada ao capital estrangeiro, preservar a corrupção e a política de extermínio das populações preta e pobre das cidades e do campo.

No Rio de Janeiro é gritante a consequência desta aliança fúnebre e funesta. Afinado pelo mesmo diapasão, mas agora em rota de colisão com o presidente, o governador Wilson Witzel comanda a política de segurança pública genocida, a partir da capital cujo prefeito Marcelo Crivella guarda silêncio cúmplice e covarde. Nas favelas cariocas cidadãos são mortos como moscas por balas policiais disparadas por pessoas quase sempre iguais a elas e dos mesmos estratos sociais.

Esta é a gente que deu o golpe político/jurídico/midiático financiado pela Fiesp e a inteligência americana contra a democracia. Esta é a classe de pessoas apoiadas e incentivadas pelos cem mais ricos do país, responsáveis pela manutenção do sistema ao qual Lula aderiu com sua Carta aos Brasileiros em 2002 e que o expeliu como corpo estranho em nome do capitalismo indecente e tardio do país. Enquanto não reunirmos as condições mínimas para enfrentar o colonialismo de cinco séculos, ficaremos nas mãos dos assassinos, suas forças armadas, polícias e milícias, assistindo ora perplexos, ora enojados, aos espetáculos explícitos de canibalismo politico.