Foto: Junior Silva / ANF

[reportagem de Junior Silva para o jornal A Voz da Favela]

Não é de hoje que a favela é explorada por uma minoria e que os pobres arrecadam a maior parte dos impostos e recebem a menor parcela de investimentos do Estado. É evidente a diferença com a qual são tratadas áreas mais periféricas em relação aos bairros considerados “nobres”. Falta infraestrutura, assistência, saneamento, ações para a infância e juventude, o que contribui para um processo de apagamento da história de um povo, além de ir contra a Constituição Federal, que prega direitos básicos para toda/o cidadã/o. Os bairros do Ibura e Boa Viagem, por exemplo, ambos localizados na Zona Sul do Recife, embora separadas por pouco mais de 5 km, apresentam realidades totalmente opostas.

Buraco da Gata, na favela de Três Carneiros Alto, no Ibura. Foto: Junior Silva / ANF.

Segundo os dados do último Censo IBGE, de 2010, o Ibura compreende 1.125 hectares de território, com 50.617 habitantes e tem o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do município, subúrbio com um visual que contempla morros e escadarias, tendo 57% da população parda. Já Boa Viagem é o bairro mais nobre e mais populoso da Zona Sul, tendo 753 hectares e a população de 122.922 habitantes, sendo 66% formada por pessoas brancas, residentes das verticalizadas de edifícios que se estende pela orla.

Em Boa Viagem a população conta com uma infraestrutura que possibilita passeios no calçadão e tecnologias modernas à disposição de moradores, como Wi-Fi com acesso livre, bicicletas para aluguel, parques, e quadras poliesportivas para a prática de esportes como Tênis e Skate. Nas favelas da mesma região Sul, que foram afastadas desses espaços estruturados, a luta ainda é por direitos básicos para manter uma vida digna. Equipamentos que possibilitem práticas de esportes, lazer e cultura encontram-se em estado constante de abandono e descaso.

Praça em Boa Viagem, bairro de elite de Recife. Foto: Junior Silva / ANF.

A Zona Sul do Recife é só um exemplo micro para exemplificar o macro. Enquanto bairros elitistas recebem estruturas de última geração e constante manutenção, resta às periferias o sucateamento de seus espaços e muitas vezes a falta deles para a prática de atividades físicas e esportes, que são fundamentais na infância e para o próprio desenvolvimento do indivíduo enquanto ser social. O Brasil possui inúmeros exemplos de atletas que saíram da pobreza e hoje são referências, seja pelo desempenho, pela história de superação ou por recordes e medalhas conquistadas. Tudo alcançado com muito suor e dificuldade. Mas são poucos os que conseguem. Milhares desejam também ter uma chance de ascender por meio dos esportes e acabam frustrados por não terem condições de pagar escolinhas ou não terem acesso a modalidades de alto rendimento em suas localidades.

É responsabilidade do poder público possibilitar aos moradores de áreas periféricas, o acesso a equipamentos públicos, quadras poliesportivas, espaços de convivência arborizados e bem cuidados, fazendo valer seus impostos e direitos estabelecidos constitucionalmente. Moradora do UR-3, no Ibura, Luciana Silva aponta o descaso com a Praça Raízes, que fica em frente à sua casa, e outros equipamentos públicos do seu bairro. “Teve um ano que a gente mesmo pintou, ajeitou, porque a Prefeitura não vem. As árvores cheias de cupim e cai tudo pelo fio quando chove. Já falamos pra Celpe. Brinquedos quebrados, até acidente com crianças já aconteceu. Está tudo destruído. Tá no projeto mas nunca sai, só vem politicagem”, desabafa.

Luciana contou também que muitas pessoas vêm de vários lugares para utilizar a Praça Raízes, pois é a que conta com mais iluminação, o que inibe um pouco o número de assaltos. “Eu acho que a prefeitura deveria investir em atividades como funcional, esportes, exercícios, mas não tem nada. A praça ficava escura. Essa semana foi que colocaram essa luz, aí ficou mais claro um pouquinho. Já a outra praça de baixo, nem se fala, vez ou outra acontece assalto”, denuncia.