Nos dias 6, 7 e 8 de novembro, aconteceu em Recife a 1ª Conferência Brasileira de Mudança do Clima. O evento teve entre os principais objetivos traçar novas metas de enfrentamento para os problemas ambientais que vêm sendo gerados pelos danos ao planeta e pela indisposição dos poderes em pôr em prática soluções mais sustentáveis para o meio ambiente.
A idealização do evento surge impulsionada por diversos acontecimentos dados pelo atual governo, dentre os quais destacam-se: a retirada da candidatura para que o Brasil fosse anfitrião da 25ª Conferência do Clima da ONU (COP-25); a fusão entre Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Agricultura; a flexibilização das leis de exploração predatória das florestas; e a deslegitimação do direito a terras ancestrais.
A COP acontece anualmente, tendo em cada edição uma das diversas regiões do mundo e aconteceria este ano no Brasil. Em novembro de 2018, logo após a última eleição presidencial, o governo de Jair Bolsonaro comunicou que estava se retirando do compromisso de sediar a Conferência do Clima da ONU de 2019 – o que já era esperado. O evento é a ocasião em que se tomam os rumos e decisões a nível mundial para colaborar com o Acordo de Paris, que busca reduzir os impactos das alterações climáticas e a emissão de gases do efeito estufa, e cada país apresenta suas possibilidades de contribuir.
Após a sequência de fatos apresentada, a Conferência Brasileira do Clima é então criada com os objetivos de fortalecer programas locais, restaurar os caminhos da responsabilidade climática, envolvendo a participação da sociedade civil, assim como organizações, movimentos sociais, associação de povos e comunidades tradicionais, comunidade científica, governos, instituições públicas, além de empresas públicas e privadas.
Os maiores danos ao ecossistema do planeta são causados pelas grandes indústrias e empresas, que faturam milhões a custo de muita poluição e desmatamento. Mas as consequências deste ataque à natureza são sentidas por todas as pessoas. Poluição do ar, das águas e do solo são os maiores inimigos da vida na Terra e causam desequilíbrios imensuráveis aos seres de todas as espécies, sendo o ser humano a única espécie que gera a poluição. Esses poluentes causam mudanças no clima, como aumento da temperatura no continente e nas águas, que devasta a fauna e a flora, e tantos outros danos a curto e longo prazo.
Lideranças indígenas de todo o país e comunidades quilombolas, ONGs, movimentos sociais e pesquisadores/as se fizeram presentes compartilhando ensinamentos, estudos, lições e perspectivas de conservação e proteção do meio ambiente. A sabedoria ancestral tem muito a ensinar no trato da terra, da água, da harmonia com a natureza.
Segundo a cacique Lucélia Pankará, é necessário empreender lutas sociais contra projetos que acabem por exterminar os povos tradicionais. Ela é oriunda da Aldeia Serrote dos Campos, no município de Itacuruba (PE), onde o governo pretende construir uma usina nuclear, retirando populações indígenas e quilombolas de seu território e poluindo o Rio São Francisco.
“Meu povo sempre viveu em harmonia com a natureza, com as matas, com o Rio São Francisco, que nós chamamos de Opará. Além de o considerarmos um bem material (porque a água mantém a vida), ela é também um bem imaterial, pois os nossos encantados estão plantados ali, é a morada deles. Nosso povo já foi impactado há 30 anos com um grande projeto de governo que foi a usina hidrelétrica de Itaparica. Um povo que hoje vive sofrendo as mazelas desse projeto porque teve que sair do seu território tradicional, sendo colocados em outro espaço que não era do sua vivência, alterando seu modo de vida”, afirma Lucélia.
A cacique argumenta que o mundo está doente “justamente por conta da ganância, pelo ter sempre mais, que não leva em conta a espiritualidade das pessoas, é uma vida de negação dos direitos humanos. Perdemos o direito de viver em harmonia com o nosso povo e a natureza e com os elementos que o pai Tupã nos deu quando compôs o planeta”.
Há mais de 500 anos que pessoas indígenas e negras passam por severos sofrimentos resultantes do sistema escravista, que continua a perpetuar diversos padrões racistas e elitistas ocidentais, que resulta em cada vez mais segregação e opressão dos povos tradicionais.
“As populações menos favorecidas, que são ditas como pobres ou como ninguém, porque essa é a forma que todos somos tratados, precisamos gritar para o mundo ouvir que não somos isso! Somos seres humanos, que vivem em um planeta como mais um elemento do ecossistema da vida”, conclui Lucélia Pankará.
Outra pauta das discussões da Conferência foi os impactos do óleo que está tomando o litoral nordestino há quase dois meses. Beatrice Padovani, professora titular do Departamento de Oceanografia da UFPE, traz uma análise da situação real dessa dano ambiental sem precedentes. “Apesar desse impacto ainda estar sendo avaliado na sua dimensão e como foi distribuído para cada localidade, já podemos afirmar que as áreas mais afetadas são os estuários, porque a maré traz [o óleo] para dentro do rio, ocorre muitas vezes o espalhamento e afundamento pelos manguezais, sendo essas áreas profundamente afetadas. E é claro que as comunidades mais vulneráveis são as que dependem desses recursos, trabalham na maré todos os dias e na sua maioria são invisíveis aos olhos da gestão pesqueira, da gestão ambiental por já estarem marginalizados nessas regiões”, afirma a professora.
Beatrice também destaca a importância da luta contra a invisibilidade do setor pesqueiro no Nordeste. “O óleo não é o único problema que essas comunidades enfrentam. Onde quer que vamos, é possível observar problema de esgoto, problema de lixo. O plástico, por exemplo, é um problema tremendo, porque o óleo vai aderir a este plástico e continuar sendo remobilizado”.
Ao longo dos três dias do evento, palestras, mesas e debates aconteciam simultaneamente em alguns espaços do centro da cidade.
Os produtos finais do evento foram a construção de um documento final e indicação de eventos para a COP-25. Além disso, as proposições desenvolvidas no evento serão enviadas ao governo brasileiro e à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), sobre o posicionamento e as expectativas das/os envolvidas/os na Conferência.