No dia 29 de Dezembro, último domingo do ano 2019 aconteceu o 2º Festival de Arte Urbana do Totó, bairro localizado na zona oeste do Recife. Um dos organizadores do evento foi José Cleiton Carbonel (38), representante do Mangue Crew, coletivo de graffiti da cidade, e contou com a participação de outros grupos de artivistas, como o Pixe Girls, Residência dos Loucos e 710 Crew. Atividades desta natureza são de suma importância para o aumento da autoestima da favela, além de proporcionar reflexões diárias e mais vida para os becos, vielas, morros e escadarias através das novas cores e desenhos.
A arte urbana proporciona o fortalecimento da identidade para as/os moradoras/es do território onde ela é inserida, devido às diversas leituras de mundo que são expressas nos desenhos e passam a fazer parte da rotina das pessoas que circulam pela comunidade diariamente. O graffiti é uma arte que deriva do pixo e, portanto, tem em sua essência o manifesto, o questionamento ao sistema e a exigência dos direitos que são desprezados pelo governo.
Essa arte nasceu nas favelas e periferias, como forma de reivindicar dignidade e expressar as desigualdades sociais com que os governantes, com suas canetadas e carros blindados, tratam as populações das favelas, em que no caso do Brasil trata-se da maior parte da população do país. A desigualdade social brasileira é uma realidade, e com o atual (des)governo a tendência é de que aumente. Em momentos sombrios como este, a luz está no protesto contra esse sistema que mata negras/os e indígenas e se nega a proporcionar condições dignas de vida para o povo pobre.
Ezequiel Carlos (36) é morador do Alto da Bela Vista, no Totó e considera muito importante para quem atua nesse meio a interação com o território, por possibilitar o diálogo com pessoas de diversas idades. “É prazeroso ver o olhar de uma criança quando ela está pintando, interagindo com o artista, o idoso que pede pra desenhar algo relacionado à fé, ou algo colorido pra quebrar o clima, que por ser área de risco, a turma tem medo, não é mais como antigamente que cada um botava seu banquinho na frente de casa e dialogava. Hoje em dia estamos mais aprisionados, e queremos quebrar esse preconceito e interagir os artistas com a comunidade, e depois que fica tudo pintado, bonito, é gratificante, o sorriso do morador. Faço isso de coração, é uma coisa que me toca, me sensibiliza”, afirma Ezequiel.
Nathália Ferreira, grafiteira que assina Nathê em suas artes, iniciou sua trajetória no graffiti há pouco mais de cinco anos e esteve no 2° Festival de Arte Urbana do Totó. Ela conta que a pessoa que mais a incentivou a sair da zona de conforto foi Carbonel, presenteando com a primeira lata de spray em um evento neste mesmo lugar. “Eu comecei fazendo a oficina de Graffiti da ONG Cores do Amanhã e minha irmã fazia outra oficina no CCJ, ambas localizadas no Totó, daí tive contato com o movimento hip-hop e os movimentos de periferia. Esses eventos são importantes para nos fortalecer enquanto periferia, de quebrada para quebrada”, afirma.
Quanto à contrapartida para a localidade, Nathê argumenta que ” é massa para a comunidade receber essas atividades para que eles se sintam importantes, visto que a favela é esquecida pelo poder público, ônibus não passa e a polícia só chega para reprimir. A arte pode ser essa mudança e percebemos na troca com eles, pois são simpáticos, dão alimento, água, abrem a porta de sua casa. É necessário fortalecer esses espaços, porque não tem mais condições de esperar que o poder público seja piedoso conosco, e acho que assim que se formam grandes potências e lideranças das favelas. O Alto da Bela Vista é bastante estigmatizado pelo fato de ter ‘os meninos do gol’ que jogam coisas para dentro do presídio, e esse evento vem como forma de apresentar outros caminhos e possibilidades para os jovens.”
O mutirão acontece de forma autônoma e autogestionada pelos grafiteiros e grafiteiras e pela comunidade durante todo o processo, em que se mobilizam entre sim para os materiais e recursos que serão utilizados, a alimentação e a vontade de tocar as pessoas por meio da arte.
O bairro do Totó sofre uma espécie de opressão e repressão bastante peculiares. Há alguns anos foi construído um presídio (Aníbal Bruno) dentro do território, onde a comunidade se vê refém do medo e da tensão que é ocasionada pela unidade prisional na localidade. Ezequiel afirma que o clima tenso se dá pelas investidas da polícia, troca de tiros e a sensação de segurança mudou depois da instalação do presídio neste território.
O poder público passou a especular a retirada da população que mora nos entornos do presídio e realocá-los a dois quilômetros de distância de sua moradia atual. Mas isso afetará diretamente as moradoras e os moradores e não melhorará a situação. As pessoas que residem no Totó reivindicam a retirada da unidade prisional e exigem o direcionamento de investimentos para o desenvolvimento da população.
O bairro do Totó levanta a bandeira “Fora Presídio”, onde as moradoras e os moradores apresentam sua indignação com a forma que o governo insiste em colocá-los em situação marginalizada, não apresentando o cumprimento dos deveres para que a população goze de plena cidadania.
A arte é libertadora e proporciona a capacidade de questionar a realidade imposta, possibilitando novas reflexões e questionamentos acerca do modelo de sociedade vigente. A organização comunitária aliada aos movimentos em prol das favelas representam a luta contra a marginalização e criminalização dos territórios periféricos.