Aborto é uma questão de saúde pública

Quem são as principais vítimas da criminalização do aborto?

Reportagem para o jornal A Voz da Favela de dezembro de 2019

 

Débora* tinha 16 anos quando percebeu que sua menstruação havia atrasado. O namorado de 35 anos, percebendo a situação, deu a ela dois comprimidos, afirmando que serviam para regularizar o fluxo menstrual. Horas depois, Débora começou a sentir dores e se dirigiu a um hospital público, onde sofreu maus tratos das enfermeiras. Foi ali, no leito hospitalar, que ela se descobriu grávida e que estava sofrendo um aborto por causa dos remédios que o namorado ofereceu. Luíza*, com 28 anos, descobriu a gravidez enquanto fazia exames de rotina. Tinha dinheiro para comprar os remédios e procurar um hospital particular, onde foi bem atendida – inclusive com acompanhamento psicológico.

Débora é uma mulher negra e periférica e sem acesso ao planejamento familiar. Luíza é branca e de classe média, com noção de educação sexual. A maioria das mulheres mal atendidas em situação de aborto provocado tem o mesmo perfil: negra e de classe baixa. Elas morrem em leitos de hospitais, em contraponto às mulheres brancas e de classe média, que gozam da melhor atenção.

O aborto no Brasil só é permitido em caso de feto sem cérebro, de risco para mãe e de gravidez gerada por estupro. Em qualquer outra situação o aborto é considerado crime, conforme previsão do Código Penal de 1940. Isso não impede que cerca de um milhão de abortos induzidos ocorram todos os anos no país. Segundo o Ministério da Saúde, procedimentos inseguros de interrupção voluntária da gestação levam em torno de 250 mil mulheres por ano para hospitais – 15 mil têm complicações e cinco mil se internam com muita gravidade.

O que se desconsidera é que o aborto continua acontecendo, seja espontâneo ou não. A criminalização coloca o Brasil cada vez mais próximo de países como El Salvador, onde as mulheres são presas independentemente de a interrupção ter sido espontânea ou não, além de responderem por crime doloso (com intenção de matar).

* Nomes fictícios