Ao leitor acostumado às grades de programação oferecidas pelas grandes empresas de comunicação e entretenimento, abertas e fechadas (TVs pagas), e aos aplicativos de filmes e séries, parecerá estranho e mesmo impertinente afirmar que a natureza da arte (não a indústria) cinematográfica é experimental, contracultural e, por vezes, revolucionária.
Todas estas experiências históricas têm profunda capacidade de oposição diante da realidade vigente na sociedade, podendo operar instrumentos valiosos de contestação em regiões da periferia do sistema.
A cineasta Alice Rodrigues, de 22 anos, moradora do Complexo do Alemão, diretora do filme “Copa Pra Alemão Ver”, relembra sua sensação diante do primeiro contato com a linguagem do cinema. “Me tornou crítica sobre as situações políticas que envolvem a favela e os direitos humanos. Me fez entender o que era de fato ser uma pessoa favelada e seu papel. Até então, vivia em uma bolha de consumo mediada pelas telenovelas”.
O documentário trata dos bastidores da repressão na favela enquanto o mundo, direcionado pela grande mídia, investia seus olhares no espetáculo da Copa do Mundo. O filme estreou na Bélgica, depois na Holanda e finalmente chegou ao Rio. Alice Rodrigues comenta que “as pessoas que assistiram demonstraram total horror porque estavam vendo pela primeira vez o que de fato estava acontecendo aquele ano no Rio de Janeiro.”
Seu próximo filme, ainda sem título, aborda mais uma questão incômoda: o universo afetivo, violento e de exclusão das pessoas trans. “A ideia é tirar o espectador das zonas de conforto para que reflitam, discutam e quebrem os preconceitos”, afirma a diretora. O filme está previsto para 2020.
* Matéria publicada no jornal A Voz da Favela, Rio de Janeiro, novembro 2019.
ERRATA publicada na edição seguinte, dezembro 2019: Na matéria “O secreto ato revolucionário do cinema na favela”, assinada por André Di Kabulla na edição do mês de novembro de 2019, a cineasta Alice Rodrigues, personagem da reportagem, foi creditada como única diretora do filme “Copa Pra Alemão Ver” (2014). O documentário citado na matéria foi realizado por um grupo de diretores, entre eles Alice Rodrigues. Arthur Lucena, Diego Sulamar, Gustavo Alves, Hector Santos e Wallace Bidu também dirigem a obra. O filme tem a produção de Faveladoc.com, Raízes em Movimento e Victoria Deluxe.