Antigamente dizia-se “é preciso ter estômago de avestruz” quando a dose de estupidez superava os limites do razoável. Originário da África, o struthio camelus é ave que não voa e engole tudo que passa na goela. É o número 1 no jogo do bicho e tem o olho maior do que o cérebro, o que faz dele quase membro da família humana.
Humanos em geral costumam ter o olho maior do que a barriga, mas ultimamente, em diversas partes da Terra plana hitlerista muitos apresentam também esta característica do ovíparo que põe o maior ovo entre todas as espécies de animais.
Mas o que isso tem a ver com você, racional leitor e reflexiva leitora? Nada, nadica de nada, penso eu enquanto observo a figura do personagem do desenho animado na televisão. É desajeitado, passos incertos, cabeça pequena, enormes olhos atentos e pescoço comprido.
Tive vizinhos parecidos: olhos esbugalhados diante do que lhes diziam, por maior que fosse o absurdo. Mantinham expressão de espanto e indignação, franziam o sobrolho e recuavam a cabeça encolhendo o queixo e riscavam longas rugas no pescoço. Tornavam-se avestruzes humanos, prontos para engolir qualquer coisa.
De repente, não mais que de repente, apareceu na telinha Jair Bolsonaro cuspindo maribondos de fogo contra repórteres. Uma voz sem dono dizia “O presidente deu por encerrada a entrevista e entrou no carro”. Então, Bolsonaro xingou qualquer coisa como “Vai perguntar pra tua mãe, rapaz! Pergunta pra ela se teu pai sabe tudo que ela faz quando não está com ele!”
Meu netinho de cinco anos, que não tive tempo de tirar da frente da TV antes do episódio bizarro, foi capturado pela mesma surpresa que eu e observou: “Vô, olha o avestruz de verdade aí!” Mas, o que pude ver no animal presidente foi uma mistura de peru tonto, papagaio arrepiado e ratazana encurralada.
Os ministros são umas hienas rindo da nossa desgraça sem parar, um ruído como o voo de mil morcegos cruzando a esplanada dos ministérios sobre as cartas de baralho cheias de funcionários aturdidos e confusos na rotina de determinações contraditórias: “Essa estatística está toda errada. Não é possível um resultado desses! Está demitido o chefe do núcleo de pesquisas!”
E os colegas contrafeitos atiram do sétimo andar o honrado servidor que ousou contradizer números estabelecidos nas verdades alternativas do governo. Em seguida, disparam mensagens, tuítes, posts e zaps que confirmam os prognósticos oficiais.
A gasolina está nas alturas, mas a inflação do governo segue em baixa, os preços estão pela hora da morte no supermercado, mas no noticiário há recordes de consumo. É o país dos avestruzes, hienas, antas, cães de pedrigee e cachorros vira-latas lotando trens, metrôs, ônibus, filas de desempregados e estádios de futebol.
No maravilhoso mundo animal onde nos esgueiramos da polícia olhos de lince, somos desnecessários, supérfluos, deserdados da sorte e do estado. Cada vez que a magnífica mula abre a boca a terra estremece e os céus se toldam de cinza-chumbo. Lá vem tempestade, e desembestamos pelas ruas aos gritos: “Corre que tem roupa na corda!”
A mula sem cabeça ainda assim zurra, e com voz de gralha velha ordena aos rapazes “recolham os pintos!” e às moças “escondam as pererecas!” No jardim zoológico antes não saber que ter consciência, melhor ignorar a conhecer; e menos ainda conhecer no sentido bíblico – que imoralidade!
Neste faz de conta, fuçadores com língua e ouvido de cobra gravam conversas, malversam palavras, frases, zumbidos de abelhas, e dão o resultado de bandeja ao marreco que já foi pavão e hoje não passa de mais um corvo traiçoeiro.
Nesta faina inglória de reescrever a história deturpando-a, mentindo e difamando tentam apagar o trabalho dos cães farejadores no seu ofício de desvendar o escondido, dando nome aos bois, inclusive os bois de piranha. Assim (eles adivinham) a verdade virá à luz e ela será tão forte que ademais de iluminar também limpará o lodo e a lama dos pauis, charcos e charnecas horrendas.
Na doideira zoológica de ignorância nada santa os sinais são trocados na linguagem, disformam o sentido de maneira que o que sai da boca de um chega alterado ao ouvido de outro, como outra coisa. Um exemplo: a federação dos jornalistas fez o levantamento dos ataques à imprensa no ano passado e verificou que quase 60% saíram da boca presidencial.
Ofendeu-se o avestruz, coitado, encheu-se de brios falsos e declarou que não falará mais aos repórteres enquanto não retirarem o processo da justiça. Atônitos e perplexos, os jornalistas se perguntam até agora que processo será esse que só ele, cabeça enfiada na terra, enxerga.
Como se vê, falar à opinião pública, dar explicações à sociedade, responder aos questionamentos dos repórteres voltou a ser opção do chefe do jardim zoológico, como tinha sido lá atrás nos anos dos gorilas mal encarados que preferiam o cheiro de cavalo ao do povo.
E a imprensa a tudo assiste sem uma gota de sangue nas veias nem resquício de caráter e vergonha na cara. É um cardume de peixes ornamentais coloridos e bocejantes rodopiando na água sem destino nem função, a encarar com olhos baços os bichos fora do aquário. Ah, como é ilusório e maligno o balé da imprensa ornamental à luz que a ilumina!
Nesse passo, ao som dessa valsa mal executada (como tudo na falsa mata), vamos levando, barata no bico da galinha à espera de um instante de distração para tentar escapar.
A soberba dos bichos graúdos não tem tamanho e sua vaidade desconhece limites, de modo que seguimos o rebanho, cada macaco no seu galho, em festa de jacu, nhambu não pia.
Parafraseando o poeta dos pampas: “Eles passarão, nós passarinho”.