Estudo aponta que 75% dos brasileiros não se sentem seguros com a atuação das polícias militares e civis e que 70% dos profissionais de segurança pública no Brasil são contrários ao atual modelo de polícia brasileira
“Que prevenção faz a polícia militar? Prendendo em flagrante, encarcerando em massa, criminalizando a pobreza, aprofundando as desigualdades? Não é só a polícia militar, o sistema de segurança pública que herdamos da ditadura militar é ineficiente”. Essas são as perguntas que o antropólogo e ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, sempre faz ao falar do tema e explicar os números apresentados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). De acordo com a pesquisa, somente em 2018, um total de 59.679 brasileiros foram mortos de forma violenta. Além desse dado, o estudo aponta que 75% dos brasileiros não se sentem seguros com a atuação das polícias militares e civis e 70% dos profissionais de segurança pública no Brasil (quase 800 mil, incluindo todos os segmentos policiais e agentes penitenciários) são contrários ao atual modelo de polícia brasileira.
Depois de ouvir o silêncio sobre as perguntas e o choque da população com os dados sobre a realidade do policiamento brasileiro, o antropólogo convida seus ouvintes a pensar sobre a frase ecoada em quase todos os atos: “Tem que acabar. É o fim da Polícia Militar”. Soares explica que embora a frase expresse o descontentamento da população com a segurança pública, o grito também aprofunda a vontade de um militarismo mais extensivo para todas as instituições e necessidade de valorização dessa categoria profissional. “O crescente da violência somado à desordem democrática que o país está vivendo faz com que a população legitime qualquer ação da polícia em busca da manutenção da ordem, mas só não lembra é que a ordem é matar,” afirma o professor doutor.
Maria Beatriz Leite é mãe do Gustavo Leite, morto pela polícia em julho desse ano em Curitiba. “Meu filho tinha 16 anos, estava voltando do mercado 24 horas quando o camburão da polícia matou ele, por volta das 2h da manhã. Ele nem passagem tinha,” conta Maria, enquanto chora. Ainda segundo a mãe, não é raro ter medo da polícia quando se mora na favela. “É só ligar a TV e ver que em todo o Brasil eles estão matando. Dói como mãe, dói como cidadã e dói pensar que eles são gente pobre também. Eu não sei porque a polícia pensa assim, eles são da favela também,” lamenta Maria.
Teófilo Gonçalves, também morador de favela e militante de movimento social, compartilha o sentimento de Maria. “Eu fui abordado, humilhado pela polícia diversas vezes aqui no bairro e uma vez até ferido. Já vi muita coisa da polícia. Por isso, grito com toda a força que tem que acabar”, desabafa Teófilo.
O sargento da Polícia Militar do Paraná, Carlos Branco, explica que o batalhão não quer fazer o “mal”, e os policiais estudaram para o concurso público e passaram por treinamentos intensivos para melhor atender à população. “ Não queremos ser heróis para salvar vidas, nem vilões que matam. O problema é que o sistema de hierarquia militar não nos deixa ir contra o governo e sabemos os interesses dos governantes para com as favelas”, comenta.
O antropólogo Luiz Eduardo concorda com o sargento e explica que as regras rígidas e a falta de liberdade tornam o militarismo institucional o sistema mais fácil de ser explorado e colocado na linha de frente quando a população resolve agir contra os abusos de políticos e instituições.
— A mídia e o governo mostram as ações da polícia como em prol da sociedade, combatendo o que há de pior, a pobreza. A hierarquia militar traz um status quo ao batalhão que o afasta psicologicamente da classe trabalhadora que os próprios policiais também fazem parte. Ser contra a militarização é ser a favor da democracia e igualdade”, afirma o professor.
* Matéria publicada no jornal A Voz da Favela, Rio de Janeiro, janeiro 2020.