Bolsonaro perde apoio com luta política contra coronavírus

Contato pessoal isolou politicamente o presidente - foto EBC

O número de infectados pelo Covid-19 no Brasil dobra a cada dois dias, em progressão geométrica que assusta todos os estudiosos, da área da saúde à estatística. Somente Portugal apresenta índice mais grave, a duplicação diária, mas é país pequeno. Na Espanha, o número dobra a cada 3 dias e nos Estados Unidos, a cada 5 dias. Na China, os casos agora dobram a cada 35 dias. As informações são da Organização Mundial da Saúde.

Esta velocidade de evolução é o principal motivo da preocupação de todos os envolvidos no combate à pandemia no país, mas o foco do governo na questão tem sido político, o que provoca desgastes que seriam desnecessários em caso de sintonia no discurso e na ação.

A mais recente evidência desta dissonância foi a designação do general Braga Neto, da Casa Civil, para comandar o núcleo de combate ao coronavírus criado por decreto há dois dias, no lugar que seria obviamente do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, em baixa no Palácio do Planalto.

O presidente reclama que o ministro não adota discurso político e espalha histeria entre a população. Queixou-se, por exemplo, de que Mandetta não defendeu sua participação no ato de domingo a favor do governo na entrevista que deu em São Paulo, e de que não fala contra a paralisação do trabalho e as consequências econômicas.

Mas o que dói mesmo é ele ter posado com João Dória, governador paulista e pretenso candidato à presidência em dois anos, que o elogiou e se disse arrependido do voto na eleição passada.

O perfil técnico de Luiz Henrique Mandetta, por outro lado, tem sido a garantia do êxito momentâneo no combate à pandemia, inclusive com elogios da área da saúde e da oposição no Congresso Nacional. Desde o ano passado, quando se falou em troca de ministros, o da Saúde era um dos alvos da ala ideológica do governo, que bebe na fonte de Olavo de Carvalho. Resistiu porque não conseguiram acusá-lo de nada.

Até surgir o coronavírus, o ministro da Saúde era estrela menor na constelação governista, mas o cenário mudou e vem mudando rapidamente e Mandetta está agora no centro das atenções. Sua função é estratégica para o Brasil vencer a pandemia com o sucesso esperado pelo conjunto das nações que enfrentam também o problema.

Somos 208 milhões de brasileiros, a grande maioria em condições precárias ou apenas razoáveis de vida. A projeção da OMS para o país é de até 470 mil mortos pelo coronavírus, se o governo não se empenhar a fundo. E os sinais vindos de Brasília não dão margem a otimismo.

Há poucos dias o jornalista político Tales Faria publicou artigo curto mas revelador do verdadeiro problema: Bolsonaro está convencido de que o surto do Covid-19 não passa de manobra da China para recuperar a economia combalida em tempos recentes. Mais do que outra teoria da conspiração, esta acarretará danos irreversíveis ao Brasil, se e quando o vírus for vencido. Esta preocupação é internacional.

Quando desobedece as recomendações e vai onde o povo está, Bolsonaro demonstra acreditar seriamente no complô chinês, e mais ainda: duvida que o vírus mate mesmo como dizem. Muito embora a Itália sozinha registre mais de duas mil mortes e discuta hoje a hipótese de apenas deixar morrer vítimas com 80 anos ou mais.

O entorno do presidente está fechado com ele, faz a sua cabeça, tem iguais convencimentos e duvida dos organismos internacionais. Para os bolsonaristas ferrenhos, tudo não passa de manobra comunista para empoderar a República Popular da China. Nas redes sociais, em seus endereços, eles são francos e sinceros, mas em público não falam suas verdades – faz parte do jogo.

Comandado por Bolsonaro, o país vai mal, o que até o jurista Miguel Reale Jr, autor do último impeachment, se deu conta ao pedir ao Ministério Público Federal que mande fazer exame de sanidade mental do presidente, que incorre em crimes de responsabilidade a todo instante.

E o primeiro pedido de impeachment de Bolsonaro foi protocolado ontem, 17, na Câmara dos Deputados. Vai para a mesa de Rodrigo Maia, de onde ou vira processo como o da Dilma ou vai pra gaveta, como foram os vários apresentados contra Fernando Henrique em seu tempo. Seja qual for o destino, uma coisa é certa: Bolsonaro nunca esteve tão fraco quanto agora.