É tarde de um dia ensolarado. O endereço fica na Rua Almirante Barroso, n.° 91, 12ª andar, Centro da Cidade.
Há algumas semanas atrás, aquele encontro fora organizado pelo advogado Nilo Batista em seu escritório, no alto do morro de Santa Teresa. Naquela conjuntura, os principais mc’s de funk do país tinham sido indiciados pelo crime de apologia ao tráfico de drogas, por terem cantado o conhecido proibidão.
Romulo Costa, atual Secretário de Cultura do município de Belford Roxo e proprietário da conhecidíssima equipe de som Furacão 2000, foi o grande responsável pela engenhosa aproximação dos mc’s com alguns dos principais escritórios criminais do país.
Como uma verdadeira caça às bruxas, os jornais cariocas noticiavam em suas capas algumas operações policiais em bailes, e exibiam fotografias com os rostos dos mc’s que cantavam aquelas canções.
O primeiro encontro se deu em Santa Teresa.
Com a presença de Romulo e de todos os mc’s envolvidos no inquérito policial instaurado, a sala de reuniões do escritório de Nilo ficou pequena diante de tantos funkeiros presentes.
Histórias de shows descumpridos, brigas familiares, primos que se encontravam presos, rescisões contratuais, dívidas trabalhistas e pensões alimentícias, foram alguns dos diversos e acumulados assuntos apresentados pelos mc’s, que se encontravam em estado de graça, na oportunidade de estarem sentados diante de um dos principais juristas do país.
Em comum entre aqueles garotos rimadores, a origem pobre e favelada de suas vidas.
A questão criminal, que os levara até aquele encontro, diante de tantas outras demandas jurídicas, parecia a que menos importava naquelas circunstâncias.
O fato é que para aqueles mc’s, o que estava sendo narrado em suas canções compreendia suas realidades nuas e cruas.
Realidade descompromissada com a camuflagem pacificadora da cultura dominante, que os empurram para o isolamento social e os neutralizam, silenciando suas vozes.
Realidade que envolve o dia-a-dia de todos os moradores de favelas, que são mortos e assassinados diariamente por uma política de enfrentamento genocida e dirigida contra a juventude favelada.
Não fosse cantada esta realidade por estes mc’s, eles não estariam sendo fidedignos com o cenário desolador e violento que os circunscrevem.
Ao final daquele exaustivo encontro, Nilo, diante de mais um caso de criminalização das manifestações populares, mobilizou os principais escritórios criminais do país, para que, em conjunto, fizessem a defesa de todos os mc’s indiciados.
É tarde de um dia ensolarado. O endereço fica na Rua Almirante Barroso n.° 91, 12ª andar, Centro da Cidade.
O escritório desta vez é o do criminalista Alexandre Dumans. Na sala de reuniões uma mesa extensa separa de um lado os advogados e do outro os mc’s.
Está presente a maior parte do PIB da advocacia criminal carioca, representado pelos escritórios de Alexandre Dumans, Carlos Eduardo Machado, Fernando Fernandez, Nélio Machado, Nilo Batista, Renato Tonini e Thiago Lins e Silva.
O feirão do funk da fina advocacia está instaurado.
A escolha ficou por conta dos mc’s, que apontavam seus advogados conforme suas impressões: “Este fala inglês, cara, quero ele – Aquele tem cara de ser bom, vai ser o meu. Que nada, sinistro é este aqui ó, usa óculos e fala menos.”
Escritórios acostumados a serem procurados por clientes exigentes, desta vez, ofereciam seus serviços a uma causa político-musical.
Ao final do dia todos os mc’s estavam devidamente representados pelos escritórios presentes.
O arquivamento dos inquéritos policiais demoraria um ano e meio.