Assim como a violência contra a mulher está aumentando no período de isolamento social, como informa a OMS (Organização Mundial da Saúde), os casos de LGBT+fobia sofridas dentro de casa também tendem a aumentar. Se a violência contra a mulher está ganhando pouco enfoque nos debates, infelizmente quase não está sendo discutida a situação das pessoas LGBT+ durante a quarentena.
Algumas pessoas não tem escolha, senão sofrer pressões e até violências de suas famílias por não terem condições de sair de casa. Se antes já era difícil, para alguns essa situação piora na quarentena devido à impossibilidade de trabalhar, ou por precisarem cuidar da sua família no isolamento social.
A quarentena tem sido um momento muito difícil para muitos que não se encaixam nos padrões da família tradicional, como mostram depoimentos transcritos a seguir.
Ariel (nome fictício), é estudante, tem 24 anos e é trans não-binário e pansexual. Mora na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde é muito comum as famílias dividirem o espaço de uma vila de casas. Para ele, enfrentar a família não é só encarar pai e mãe, mas se expor para avós, tios, a família inteira. Sua vida familiar é repleta de proximidade e exposição.
“Eu estou vivendo uma vida dupla. Já começa que quando eu vou falar com a galera, principalmente trans, com quem falo todo dia, ou em reunião de coletivo, tenho que trancar tudo para evitar discussões. Já morei fora da casa dos meus pais por estudar e trabalhar em outra cidade e voltei por conta do coronavírus. Isso abalou muito a minha saúde mental. Não ter perspectiva de sair daqui me abala porque meus pais não entendem o que eu sou. Eu já tentei explicar pra eles. Um amigo do meu pai descobriu e perguntou a ele porque eu tinha medo de falar para eles que sou trans, e eles me confrontaram, mas não entenderam muito bem. Eu tenho muito receio de contar isso na quarentena porque eu literalmente não tenho pra onde ir com o meu trabalho reduzido”.
O estudante e empreendedor Noah Nova, 26, também fala como é ser trans e ter que passar a quarentena com a família que não o aceita: “Eu sou homem trans ‘assumido’, como o sistema chama. As pessoas que moram comigo agem como se não soubessem e simplesmente não aceitam. Algumas pessoas estão encontrando liberdade em alguns aspectos estando em casa, eu me sinto 24 horas por dia totalmente preso e trancafiado. Não posso ser quem eu sou, me chamam no feminino, me tratam no feminino e já até jogaram algumas roupas masculinas minhas fora. Estou com o psicológico totalmente zoado por uma família tóxica religiosa que não aceita e diz preferir morrer.”
Uma boa notícia é que, mesmo em meio às adversidades, o Movimento do Arco-Íris tem continuado unido através da internet, promovendo ações que ajudam na saúde mental dessa população. Um dos movimentos, é o Transpoetas, surgido na quarentena e que propõe a troca de poesias e afetos para lidar com a situação. Petter Levi, 32, consultor de mídias sociais, faz parte do coletivo e fala como ele o tem ajudado:
“Para um cara mega proativo como eu, a quarentena afetou e afeta drasticamente todo o alinhamento do meu dia-dia. Afeta meu humor, minha alimentação, mas especificamente a minha saúde mental. O coletivo TransPoetas nasce (na rede) exatamente no início desse abismo mundial ocasionado por uma pandemia e acaba por se tornar o bote salva-vida desse isolamento. Não só nesse coletivo, mas em muitos outros também, fica evidente quanto o aumento de troca afetiva influencia de forma positiva, suavizando esse período de quarentena. Escrever, produzir e estar perto através dos TransPoetas tem feito diferença na qualidade da manutenção da minha saúde mental no dia de hoje.”