Por Carlos Bruce Batista

Emanuel tinha dezesseis anos quando se mudou para o Rio de Janeiro. Antes havia passado a vida numa fazenda, em Tapiramuta, região de Itaberaba, interior da Bahia.

Seus pais trabalhavam na propriedade do senador Alcides Magalhães, onde exerciam a função de caseiro.

Emanuel até os seus dezesseis anos nunca tinha visto, embora morasse há 50 metros da casa sede, a figura do doutor senador. Apenas ouvia o barulho do helicóptero pousando na fazenda e anunciando a chegada do patrão de seus pais.

Desde cedo o barulho das hélices e dos motores estiveram muito presentes na vida de Emanuel. Fossem dos amigos, dos familiares ou dos clientes do senador, os diferentes helicópteros sempre despertaram curiosidade na vida do menino.

Bastava Emanuel ouvir o barulho se aproximando, que ele parava tudo o que estava fazendo e ia se posicionar próximo à cerca que separava a pista de pouso, do pasto de gado da fazenda.

Embora mal soubesse ler, apenas pelo barulho dos motores Emanuel sabia dizer quais eram os modelos de todos os helicópteros que sobrevoavam a fazenda.

Sem dinheiro e perspectivas de emprego, Emanuel resolveu seguir a iniciativa de um de seus primos e mudou-se para o Rio.

Logo que chegou à cidade grande, se assustou com a movimentação de carros, de pessoas e de ambulantes vendendo produtos nas ruas próximas à rodoviária. Com o dinheiro que seus pais lhe deram, Emanuel comprou um rádio de pilha de um ambulante que o assediara enquanto tentava falar com seu primo do orelhão.

Emanuel, que mal tinha andado de ônibus na vida, estava preocupado em saber chegar a casa de seu primo, no morro dos Prudentes, subúrbio do Rio.

Com muitas dificuldades se orientou com algumas pessoas que lhe indicaram os ônibus a serem pegos para chegar à favela dos Prudentes.

Depois de muitas horas, Emanuel, enfim, pôde ligar para a casa de seus pais, avisando que já tinha chegado a casa de seu primo.

Nas primeiras semanas na cidade grande, Emanuel foi conhecer os pontos turísticos até então somente conhecidos através das novelas e noticiários da televisão. Conheceu o Pão de Açúcar, andou de bondinho, foi às praias e assistiu Flamengo e Botafogo no Maracanã, embora torcesse pelo Vitória da Bahia.

Com um mês de visitas e deslumbramentos, o primo de Emanuel passou a cobrar-lhe emprego, já que ele mal conseguia sustentar sua esposa e seus dois filhos no barraco em que moravam.

Emanuel, então, voltando a sua realidade, passou a dedicar seus dias atrás de empregos na cidade. Foi em escritórios, em restaurantes, em lanchonetes e mesmo assim não conseguiu arranjar emprego.

Seu primo, depois de alguns contatos, conseguiu-lhe um emprego de ajudante de pedreiro numa obra que estava sendo feita no morro, mais precisamente na casa de Seu Jair, um dos moradores mais antigos da favela.

Não demorou para que Emanuel passasse a conhecer os filhos de Seu Jair, e, em seguida, os moradores do morro. Com o fim da obra, Emanuel conseguiu ajudar seu primo nas compras do mês, e ainda, de quebra, fez muitas amizades.

Logo, porém a falta de grana voltou a incomodar Emanuel. Depois de conversar com alguns moradores do morro, Emanuel resolveu tornar-se ambulante nas praias cariocas.

Ficou sabendo onde comprar os sacos de biscoitos GLOBO e, antes que os relógios marcassem cinco da matina, ele já estava na fila, no centro da cidade, com o dinheiro emprestado pelo seu primo para comprar os biscoitos e revende-los nas praias.

Depois de tomar conhecimento da longa demora para se obter uma autorização da Prefeitura, o que também não era certo de acontecer, resolveu, mesmo correndo riscos, continuar a vender seus biscoitos nas praias.

Com o tempo, viu que com um acerto de contas no final do dia podia vender seus biscoitos sem ser importunado por nenhum guarda ou policial.

O problema era quando coincidia dele ser parado por algum policial que não participava dos acertos de contas. Então ele não podia fazer nada a não ser acompanhar a apreensão de sua mercadoria pelo policial.

Uma das coisas que Emanuel mais gostava de fazer enquanto trabalhava era ficar observando os helicópteros que sobrevoavam as águas dos mares e os grandes edifícios da orla praiana.

Ele ouvia o barulho e com o auxilio de seu boné olhava para o céu tentando identificar o modelo da aeronave. Em alguns meses já conhecia os modelos de alguns helicópteros que sobrevoavam a zona sul carioca.

O ano se passou e Emanuel agora só queria saber de guardar seu dinheirinho para gasta-lo nos bailes funk que ocasionalmente aconteciam no morro. Podia chover o que fosse, mas o moleque não perdia uma noite de baile na favela.

 Em um dos bailes, de longe, avistou a menina mais linda que ele tinha visto na vida. De cabelos encaracolados e com a pele bronzeada de sol, a menina parecia evolver-se por luzes que faziam com que Emanuel não conseguisse olhar para nenhum outro lugar em que ela não estivesse.

Tentou se encorajar a se apresentar para menina. Tomou alguns bons goles de cerveja, comprou balas de menta com gosto bem forte, e foi algumas vezes ao banheiro para ver se estava na pinta para conquistar a garota.

Assim que partiu ao encontro com a menina, seu desejo fora abafado pela direção tomada por ela. Para sua maior decepção a menina foi até Dininho, dono do morro e muito conhecido por suas conquistas amorosas.

Aquela noite para ele havia terminado.

 Os dias a partir daquela noite não foram mais os mesmos para Emanuel, que parecia ter vivido seu único e não correspondido amor.

 Emanuel, então, passou a observar com maior atenção os caras que ficavam o dia todo no morro. Olhava para suas motos, para seus celulares, e via a forma com que eles eram tratados dentro da favela.

Todas as pessoas que iam visitar o morro dirigiam-se a eles com muito respeito e atenção. Tudo muito diferente da forma com que as pessoas o tratavam na praia quando ele oferecia seus biscoitos GLOBO.

 A vida bandida do morro o fixara com tamanha intensidade, que Emanuel já estava deixando de ir trabalhar para ficar próximo à boca de fumo que funcionava ao lado do barraco de seu primo.

Não demorou muito e Emanuel já estava prestando alguns favores para a rapaziada. Ora Emanuel ia buscar água para alguns deles, ora Emanuel ia dar recado para algum familiar deles.

Emanuel, com o tempo, já deixava de ser um desconhecido para os caras do morro.

Não eventualmente, Manuel ou Paraíba, como passou a ser chamado, carregava algumas drogas de uma boca à outra da favela.    

Com seus conhecimentos divertia a rapaziada da boca de fumo. Bastava algum deles ouvir o barulho de um helicóptero para perguntar para o Paraíba qual era o modelo. Aquela cena se repetia todas as semanas, todos os dias, todos os momentos em que a favela era sobrevoada por algum helicóptero.

Nas lajes dos barracos, Paraíba com seu boné anunciava com fogos a chegada dos policiais. Na medida em que Paraíba, com sua exatidão, conseguia anunciar a incursão policial e com isso a fuga de seus colegas, ele ia se tornando respeitado no morro.

Era ele enxergar de longe uma viatura policial, que logo acendia seus rojões e saia em disparada pelos becos e ruelas da favela.

Paraíba cresceu dentro do morro e logo ao completar seus dezoito anos passou a portar pistola na favela.

Não tinha nem uma semana que Paraíba havia completado dezoito anos de vida, quando inesperadamente ele foi surpreendido com o sobrevôo de um helicóptero da polícia no morro.

Paraíba, de cima de uma das lajes mais altas do morro e com sua pistola portada na cintura, observou estático o objeto de seus sonhos em cima dele há menos de trinta metros de altura.

Sem reação e encantado com a aproximação do helicóptero, Paraíba se viu enganado com aquilo que mais admirou em toda sua vida. Sem esboçar nenhuma reação apenas olhou para cima tentando identificar que modelo era aquele, até então nunca visto por ele.

Seria um EC 120, um EC 130 B4, um AS 355N ou um Colibri EC 120B?  Foram as últimas dúvidas de Paraíba antes de ser rajado ao meio pelos fuzis que saiam pelas portas laterais do helicóptero.

Paraíba caiu com os olhos abertos de escuridão, na mesma laje que em outrora observava e ensinava para quem quer que fosse, os modelos de helicópteros que sobrevoavam a favela dos Prudentes, no subúrbio da cidade.