Passei três meses com Covid 19 ou foi ansiedade?

Todo dia acordava com um novo sintoma.

Falta de apetite, perda do olfato, dúvida sobre se era febre ou andro/menopausa, se o peso do corpo havia diminuído, a garganta irritada, dores no peito, cansaço. Só faltava a tosse irritante. Mas também poderia ser assintomático/a.

Sim, muitos são infectados e disseminam a doença sem saber.

A/o nossa/o personagem estava numa encruzilhada. De poucas palavras, muito reservada, não participava de discussões e debates, não tinha coragem de tomar iniciativas, como a de ir por conta própria procurar um médico. Preferia pesquisar na internet. Encontrou suspeita de tuberculose, e os sintomas quase coincidiam, ainda mais quando se lembrou que havia se encontrado com um amigo diagnosticado, que logo iniciou o tratamento.

O pigarro na garganta poderia ser também, refluxo, infecção pulmonar ou de órgãos próximos. Sentiu um mau hálito, meu Deus! Será que estaria com um dos pulmões já apodrecendo? E as pontadas e dores no tórax, tudo indicava que algo sério ocorria: bronquite, pneumonia, asma… E tudo voltava a apontar para a Covid 19.

Sim, era o Coronavírus.

Lembrou que no carnaval viajou para Vitoria da Conquista-Ba, e, de lá, o avião deu uma volta em Guarulhos, antes de voltar a Salvador. E na aeronave alguém tossia na poltrona de trás. E na fila de passageiros, algumas pessoas tinham cara de estrangeiros, algum deles poderia ter trazido o vírus. E no aeroporto de São Paulo circulavam pessoas com máscaras.

O risco rondava ali… Logo depois esteve com o amigo que contraiu tuberculose. Em seguida teve febre, tosse e gripe forte. Depois, começou a sentir pontadas no peito esquerdo. E não parou mais.

Viajou para uma cidade próxima à capital, onde ainda não havia casos confirmados, mas tocou acidentalmente no dedo da moça do pedágio, guardou o dinheiro possivelmente contaminado, não tinha álcool em gel para desinfectar mãos e o volante. Em outra viagem para comprar peixe na Semana Santa, numa blitz, mediram sua temperatura e o termômetro encostou em seu pescoço, mais um risco de ter pego a doença.

Outra viagem a Salvador, uma ida sem máscara ao supermercado, multiplicou por mil a chance. E as dores no peito só aumentando. A vontade de ir ao posto médico, e o medo de voltar com um atestado de óbito pré datado, ou, no mínimo, correr o risco de contrair o que achava que já havia contraído… Oh, dúvidas cruéis!

Lembrou que comeu o caruru, vatapá, peixe e todos os quitutes na Semana Santa, trazidos por uma amiga, a mesma com quem viajou para comprar o peixe… Ai, Jesus, o pescador mora numa zona onde muitos moradores de Feira de Santana-Ba, passam férias, à beira mar.

Será que algum deles estava doente, pegou na mão do trabalhador das pescarias, e ele, sem intenção, pegou no peixe fresco, pegou no isopor onde minha amiga guardou as iguarias, e esse vírus suportou o cozimento e entrou em mim pela boca gulosa?

Volta a Salvador, outra vez, desta vez sem esquecer álcool, luva, máscaras, vidros do carro fechados, a 100 por hora, correndo do perigo. As chuvas levaram umidade ao apartamento, mofo em algumas roupas, lençóis, tudo. Lavagem às pressas com todos os detergentes possíveis. Espera ansiosa para fugir da capital, onde ocorreram mais da metade dos casos de infecção do Estado, ou os pacientes foram levados para tratamento. Ninguém é de confiança, ninguém está livre.

Banho, banho, banho, lavar as mãos, lavar o cabelo, lavar o nariz, lavar os olhos, lavar os sapatos, lavar as roupas, lavar o gelo. As dores nos pulmões só aumentando. E o medo de morrer apavorando, e tomando remédio para a alergia. Ah, se lembrou que tem alergia a mofo, cheiro de produtos químicos, perfumes, papel velho, ácaro, pó, poeira. Mas essas dores só poderiam ser causadas por tuberculose, o auto diagnóstico já estava confirmado pelo Google! Não havia lugar para a menor dúvida. Se não fosse isso, seria o Coronavírus! Só podia ser.

Retorna ao interior, onde já houve um caso confirmado. Pronto, agora todo mundo é suspeito. E as dores aumentaram. Dormir num quarto úmido pelas últimas tempestades não era problema. O problema já habitava o corpo, era o vírus que se pega pelo ar, gotículas de respiração, toque de mão, esbarrão numa calçada estreita, um pacote de feijão no supermercado. Com certeza.

E as dores aumentando, e os sintomas piorando. Era suor engordurado, fraqueza, o pigarro que já não conseguia disfarçar, a voz rouca, os calafrios. E o medo, e o pavor. E se for a um posto médico e for diagnosticado?

E se for outra coisa e pegar o vírus no serviço médico?

Já houve casos assim. E casos de quem foi contaminado na primeira vez que saiu de casa. E como ia anunciar isso no trabalho, e para a família e amigos? As dúvidas aumentavam, o medo fazia a respiração ficar curta e as dores do corpo aumentando…

Não aguentou mais e pediu socorro a uma assistente de saúde, que lhe acalmou, desestimulou a ida ao posto médico, pediu para tirar o colchão do quarto mofado e dormir na varandinha do apartamento, tomar uns chás de camomila e erva doce, passar umas pomadas para dores musculares e fazer uns exercícios de meditação. Sem pensar, fez tudo, de frente pra trás e de trás pra frente.

No dia seguinte, o diagnóstico foi confirmado: tudo passou, era só ansiedade.

Cuidar da saúde mental e da saúde física, em tempos de pandemia, é o melhor remédio. Procure um atendimento especializado, não deixe que a ansiedade ou outras doenças alimentem ainda mais o medo, o temor e transforme um problema fácil de resolver em algo ainda maior.

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Valdeck Almeida de Jesus
Valdeck Almeida de Jesus é jornalista definido após várias tentativas em outros cursos, atua como free lancer, reconhecendo-se como tal há bastante tempo. Natural de Jequié-BA (1966), e escreve poesia desde os 12, sendo este o encontro com o mundo sem regras. Sua escrita tem como temática principal a denúncia: política, de gênero, de raça, de condição social, de preconceitos diversos: machismo, homofobia, racismo, misoginia. Coordena o movimento “Galinha pulando”, o qual pode ser visto no blog, no site e nas publicações impressas. Este movimento promove anualmente um concurso literário, aberto a escritores(as) do Brasil e do exterior. A poesia lhe trouxe o encantamento, mundos paralelos, as trocas, a autocrítica, a projeção de si e de outro(s), maior consciência de classe e de coletivo. Espera que as sementes plantadas se tornem árvores, florescendo e frutificando em solos assaz diversos. Possui 23 livros autorais e participa de 152 antologias. Tem textos publicados em espanhol, italiano, inglês, alemão, holandês e francês. Participa de vários coletivos da periferia de várias cidades, bem como de algumas academias culturais e literárias.