“Após cada ato que fizemos em defesa da baía, um pescador caiu assassinado. O recado é claro.”, afirmou o presidente da Ahomar – Ass. Homens e Mulheres do Mar, Alexandre Anderson. Ameaçado, ele vive 24h sob escolta policial, devidos a diversas ameaças que têm sofrido. Sua maior preocupação, no entanto, é com a vida dos demais membros do grupo. Em depoimento emocionado, revelou que todos temem voltar pra casa depois do ato. Mas estaremos nesta quarta, dia 1° de Agosto, na Cinelândia em Defesa dos trabalhadores da pesca artesanal, do ambiente e dos povos das Baías da Guanabara e de Sepetiba, seremos centenas…
A programação começa no Plenário da Câmara dos Vereadores na Cinelândia às 9h30, onde ocorrerá Audiência Pública sobre a Situação da Pesca na Cidade do RJ. As 13h, ocorrerá Ato em Solidariedade aos Pescadores e Caminhada até as sedes da Petrobras e do BNDES, na Av.Chile.
O Ato de Solidariedade aos pescadores nos remete ao brutal assassinato dos pescadores Almir Nogueira de Amorim, 45 anos e João Luiz Telles Penetra (conhecido como Pituca), 40, amarrados e afogados, após sua participação na Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, no dia 18 de junho. Os corpos foram encontrados nos dias 25 e 26, nas praias do Gradim em São Gonçalo e de Mauá, em Magé.
No dia 29, houve ato em repúdio ao assassinato na Ordem dos Advogados do Brasil, com centenas de participantes. “Existem diversas formas de matar um homem, eles escolheram a mais perversa, eles morreram respirando a água da bacia que eles sempre defenderam”, disse, consternado, em lágrimas e complementou: “não queriam matá-los apenas, mas mandar um recado”. A Ahomar, desde 2009, já registrou 4 pescadores vítimas de homicídio, todos participantes do grupo.
O ambientalista Sérgio Ricardo ressalva que “muito mais casos de homicídios relacionados ao conflito pela utilização e/ou degradação da natureza no entorno destas bacias e áreas de proteção. Precisamos constituir este mosaico, da relação entre os diversos movimentos de resistência, no Estado, a este modelo de desenvolvimento insustentável. Veremos então que são muitos conflitos e vítimas, como no mapa da Justiça Ambiental, mas com uma mesma marca, a exploração capitalista, financiada pelo Estado, direta ou indiretamente, como se fosse seu Comitê Executivo. Outra característica importante é a coerção armada! Direta ou indiretamente”.
A Petrobras é responsável por grandes empreendimentos como o Complexo Petroquímico do RJ- Comperj, e pelo prometido Porto de Jaconé, em Maricá, e por diversos acidentes de gravíssimo impacto sobre a saúde ambiental e humana, como o rompimento de duto na Baía de Guanabara, no ano 2000. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social-BNDES é o principal agente de financiamento destes grandes empreendimentos e de um modelo de desenvolvimento que vêm sendo denunciada por suas trágicas conseqüências para a saúde humana e ambiental e à vida de todos nós, humanidade e natureza.
“Seremos milhares”, declarou Alexandre Pessoa, engenheiro sanitarista, professor e pesquisador da Fiocruz e representante da Asfoc-SN – Associação dos Servidores da Fiocruz, pois, os povos que construíram sua vida no entorno destas baías, que mais sofrem os impactos negativos dos grandes empreendimentos, somos milhões, e estamos irmanados nesta luta. “Mas isto não é suficiente, temos que territorializar o apoio à luta, com prioridade para a preservação da vida dos companheiros. Que, neste sentido, a ação governamental em defesa da pesca deve reunir, de forma intersetorial, Pesca, Meio Ambiente e Direitos Humanos.
Uma das lideranças da Ahomar, devido às ameaças e tentativas de homicídio, está no Programa de Proteção a Defensores dos Direitos Humanos. A proteção individualizada, no entanto, não impede que outros membros do grupo sejam vítimas. A única posto de policiamento que havia na região próxima a Magé foi retirado, pouco tempo antes do ocorrido, segundo moradores.
O presidente da Asibama – Ass. Dos Servidores do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, Carlos Martins ressaltou que a ameaça aos pescadores e aos povos das baías está diretamente refletida nas diversas formas de desrespeito ao trabalho dos técnicos dos órgãos ambientais do Sisnama.
Vale lembrar que o processo de licenciamento ambiental de grandes empreendimentos como a TKCSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico (da megacorporação transnacional alemã ThyssenKrup – TK) entre outros, foi estadualizado. Os técnicos do órgão estadual responsável, o INEA – Instituto Estadual do Ambiente, no entanto, deram parecer contrário à licença de operação. Contraa o parecer técnico, contra as diversas denúncias feitas por órgãos especializados, de pesquisa, como a Fiocruz, e da sociedade civil, o governo estadual autorizou o empreendimento e a operação, desautorizando seus profissionais.
Trabalhadores, técnicos ambientais servidores públicos dos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente têm denunciado as pressões. Em abril, o chefe da Área de Proteção Ambiental –APA Guapimirim, Breno Herrera quase foi exonerado. Ele também se opõem à navegação no Rio Guaxindiba, em cumprimento à determinação do processo de licenciamento ambiental do Comperj que veda quaisquer intervenções nas áreas de proteção. A Petrobras é acusada, no caso, por pressionar o Ministério do Meio Ambiente pela utilização do Rio Guaxindiba. Os ambientalistas garantem que os impactos ambientais seriam gravíssimos e afetariam, mais uma vez, comunidades de pescadores artesanais, entre outros danos.
Familiares de pescadores têm denunciado, à polícia, o que chamam de milícia do mar, organizadas com investimentos feitos por empresas terceirizadas por grandes empreendimentos, como o Comperj: “mas eles fingem que não nos ouvem e nem sequer relatam o que ouviram, é a Lei do Silêncio oficializada. Mas nós repetimos, tem uma milícia armada no mar para nos impedir de flagrar crimes socioambientais.
O Comperj foi licenciado em 6 meses, tempo recorde. Mas até hoje não atendeu às exigências, nem do Ibama nem do Inea, desde 2006. Seis anos depois, o “Cinturão Verde” não saiu do papel, nem a recuperação das faixas marginais dos rios atingidos, entre outros condicionantes da licença, mas não sofreu qualquer sanção dos órgãos responsáveis. Como não previu devidamente o conjunto de impactos na região, o Comperj tenta obter do Inea uma licença para despejar seus efluentes nas praias de Maricá.
Conforme os grupos de Direitos Humanos que participam do movimento: a ação em rede e a mobilização social são estratégias fundamentais para a defesa da vida dos povos das baías da Guanabara, de Sepetiba e de todos os povos ligados ao mar, aos rios, sub-bacias, enseadas e baías do estado do RJ, vítimas dos projetos e do modelo de desenvolvimento capitalista nacional e transnacional, exploração do trabalho e da natureza.
“A cumplicidade entre grandes empresas, estado e grupos armados (oficiais, mercenários, milícias e até traficantes) impõe uma situação d’exceção, em que reconhecemos diversas formas de coação, tortura, morte e criminalização dos movimentos sociais.”, atesta o representante do Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos da RedeCCAP, Fernando Soares, este jornalista, pesquisador-participante e pescador que vos fala.
Organizações como a Anistia Internacional já vêm denunciando a situação. Representante da Justiça Global, o economista Gabriel Strautmann descreve a formação da rede de solidaridade que deverá estar presente nesta quarta: somos pescadores, sejamos moradores de favelas, estudantes da UERJ ou da UFRJ, professores, servidores públicos ou advogados… Reunimos um amplo espectro da sociedade, organizações de pescadores, fóruns comunitários, OAB, associações de docentes das universidades federais, ambientalistas, entre outros coletivos artístico-culturais, organizações e movimentos sociais locais e internacionais. Dizer que “Somos todos pescadores” significa que somos um pelo outro e que esta é uma luta de todos.