Pesquisa mostra que, como sempre, o de cima sobe e o de baixo desce

Trabalhador informal é quem mais sente a pandemia - Foto da internet

“Todo mundo continua comendo, indo mais ao supermercado e pode ter algum problema de logística com a pandemia, mas daqui para a frente a gente espera desaceleração, até porque entra em um período menos chuvoso”. O raciocínio da economista Júlia Passabom, do Itaú, disfarça, mas não esconde a dura realidade que se abateu nos últimos meses sobre as classes mais baixas da sociedade brasileira. Enquanto a gasolina baixa, os alimentos aumentam 3,70%, e os produtos da cesta básica continuam subindo acima da inflação geral.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, divulga os índices apurados e explica que os indicadores de inflação vêm sendo distorcidos em consequência da mudança radical no perfil da economia na pandemia, como se verifica no mercado de trabalho e nas contas públicas. O perfil do emprego é outro, a precariedade nas relações trabalhistas nunca esteve tão profunda, o mercado de trabalho afundou na crise; enfim, são diversos fatores a conspirar contra a população mais pobre, a quem não importa se a gasolina baixou alguns centavos na bomba.

Os preços da gasolina, diesel e do etanol caíram 4,35%, 6,44% e 5,96%, respectivamente. O preço das passagens aéreas, que recuou 27,14% no mês também colaborou, mas a gasolina teve a principal contribuição individual, de 0,5 ponto percentual. Mas os preços dos alimentos subiram 0,24% em maio, puxados pela alimentação em domicílio, que se tornou rotina para mais famílias após a quarentena e ficou 0,33% mais cara.

“Mas é um aumento sobre outro aumento”, ressaltou o gerente da pesquisa do IBGE, Pedro Kislanov. Nos últmos três meses, os produtos alimentícios registram aumento enquanto os não alimentícios vêm em queda. Em 12 meses, enquanto o IPCA acumula alta de 1,88%, os alimentos sobem 6,48%. O cenário é especialmente danoso para a população de baixa renda, que gasta 22% do orçamento com comida, enquanto os transportes absorvem 9,4%.

Isto é, elas gastam mais dinheiro com itens que vêm sendo reajustados do que com aqueles em deflação. No caso das famílias com mais de 25 salários mínimos, é o oposto: 7,6% da renda fica com alimentação e 15,3%, com transporte.

“A inflação foi mais forte para a baixa renda, pois quanto menos se ganha mais se compromete o orçamento com a compra de alimentos”, diz o economista André Braz, da Fundação Getúlio Vargas, FGV. A percepção é comprovada por dois indicadores de inflação mais adequados a famílias com menor renda.

O INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do IBGE fechou maio com deflação de 0,25%, menor do que a do IPCA. Neste indicador, que pesquisa uma cesta de compras de famílias com renda de um a cinco salários mínimos, os alimentos subiram 0,40% em maio.

Já o IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor-Classe 1) da FGV, que mede a inflação de famílias com renda de até 2,5 salários mínimos, caiu 0,30% em maio, contra 0,54% do IPC-BR, o indicador mais amplo da instituição.

Com base nos dados divulgados nesta quarta, 10, pelo IBGE, Braz aponta que os produtos incluídos na cesta básica tiveram alta de 0,36% em maio, depois de subir 1,81% em abril e 1,25% em março.

A sequência de aumentos ocorre em um momento em que o desemprego atingiu em cheio o trabalhador informal, que já tem renda mais baixa. Segundo o IBGE, dos 4,9 milhões de brasileiros que perderam o trabalho em abril, 3,7 milhões eram informais.

“A sobrevivência dessas famílias piora com a abrupta redução dos postos de trabalho”, diz o economista da FGV. “Sem renda a sensação é que a inflação é mais alta.”