Webinar sobre racismo sofre invasão nazista em Florianópolis

Invasão do webinar de Florianópolis - Captura de tela

Uma reunião virtual que discutia estratégias de combate ao racismo com mais de 70 convidados, a maioria mulheres, foi interrompida por imagens de cabeças sendo cortadas, um homem se masturbando, pedidos de morte a mulheres e a figura de uma suástica na quarta-feira, 10, em Florianópolis.

Os relatos de duas das organizadoras, ouvidas pela BBC News Brasil, seguem um padrão semelhante ao de pelo menos 6 outros ataques registrados em debates virtuais feitos por meio de aplicativos nos últimos dois meses. O encontro havia sido organizado pelo Icom (Instituto Comunitário Grande Florianópolis) com o tema “Que tipo de práticas antirracistas podem ser adotadas pela sociedade civil organizada?”. A maioria dos convidados havia se inscrito previamente por meio de um formulário disponibilizado pelo instituto.

“Mas, uma hora antes, divulgamos o link direto para o evento em nossas redes sociais para aqueles que quisessem participar de última hora”, explica Mariana de Assis, uma das organizadoras. “Eles entraram depois de uma hora de webnário, quando tínhamos mais de 70 pessoas participando. Toda a nossa equipe é formada por mulheres, 95% das presentes também eram mulheres. De repente, entra uma música dizendo que mulher tem que morrer, depois outra janela mostrando pornografia, outro comentando, fazendo ataques. Foram dois minutos de ataques até que a equipe conseguiu tirá-los”, explicou Mariana.

O instituto, uma organização sem fins lucrativos criada há 15 anos na capital catarinense, registrou um boletim de ocorrência após o episódio, ao qual a BBC News Brasil teve acesso. À reportagem, a diretora da polícia civil na Grande Florianópolis, delegada Eliane Chaves, disse que vai instaurar um inquérito para apurar as denúncias. O vídeo da reunião foi gravado e será uma das fontes para a investigação. O episódio em Florianópolis segue padrão semelhante ao de outros ataques registrados nas últimas semanas em diferentes estados.

No início de abril, uma vídeochamada organizada pela SBI Imuno e pela Agência Bori pelo aplicativo Zoom discutia a pandemia do novo coronavírus com 60 participantes quando foi interrompida por imagens de Hitler. Em maio, um debate sobre divulgação científica organizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência foi interrompido por ofensas racistas e saudações nazistas. Na última semana, pelo menos quatro ataques semelhantes foram registrados.

Na segunda-feira, um debate universitário sobre negritude com professores da Universidade Federal da Bahia também foi interrompido por imagens de conotação racista. Segundo uma das organizadoras, a reunião foi suspensa após inúmeras tentativas de retirar os estranhos do ambiente, que festejaram a decisão aos gritos de “mito, mito” – em referência ao presidente Jair Bolsonaro.

Já na terça-feira, um ataque durante o webinário Atlântico Negro, organizado por professores da Unicamp, também foi “invadida de forma massiva por vozes e imagens que impediram o direito de fala da professora da Unicamp, dra. Lucilene Reginaldo, bem como de todos que acompanhavam a atividade, numa clara agressão à missão que a sociedade entregou à universidade de produzir conhecimento e difundi-lo de forma livre e democrática”, segundo nota emitida pela universidade.

“Esse gesto violento e autoritário procura também, por meio da intimidação, calar os avanços que a sociedade realizou nas últimas décadas no reconhecimento da injustiça representada pela escravidão. Procura, na mesma lógica racista que sustentou a escravidão, ocultar a competência intelectual dos negros, impedir sua manifestação pública e seu direito elementar de ter protagonismo na construção do conhecimento a respeito de sua própria história”, prossegue a nota.

No mesmo dia, um evento organizado pelo centro acadêmico da faculdade de direito da UFRJ foi “alvo de uma invasão promovida por um grupo neonazista durante o evento do Conhecendo o CACO na plataforma Zoom”. “Diante de imagens nazistas, vídeos de pornografia e fotos de pessoas mutiladas exibidas em nossa reunião com calouros e calouras, vimos necessidade em levar a ocorrência às autoridades competentes”, diz o centro, em nota.

Para Renato Opice Blum, especialista em crimes digitais e um dos advogados da plataforma Zoom no Brasil, os ataques poderiam ser tipificados como uma série de crimes, incluindo ameaça, calúnia, injúria e difamação, além de injúria qualificada e racismo. “A figura da suástica é inclusive citada na descrição do crime de racismo”, diz.

Professor de proteção de dados e direito digital do Insper, Renato afirma que a plataforma Zoom “não tem responsabilidade” sobre este tipo de ataque. “Não são problemas que decorrem da ferramenta, mas da situação comportamental. As plataformas, não só o Zoom, são muito seguras. Inseguro é o ser humano.”

“Recomenda-se que, quando uma reunião for realizada, não se divulgue o link nas redes sociais e que a reunião fique restrita. O administrador tem que autorizar ingressar na videoconferência”, afirmou a delegada-chefe da polícia da Grande Florianópolis. O advogado sugere que o acesso às reuniões seja restrito.

“Normalmente, essas invasões acontecem porque as pessoas divulgam o canal de acesso, o link. É como deixar as portas de casa abertas. Mas não é porque você deixou a porta de casa aberta que você é responsável por um eventual ataque à sua casa.”

A recomendação, segundo o advogado, é registrar a queixa em qualquer delegacia. “Não precisa ser uma delegacia especializada em crimes digitais.”

Mariana Assis, uma das organizadoras do evento em Florianópolis, conta que precisou abandonar a reunião: “Eu estou traumatizada. Fiquei com muito medo e caí no choro. Ainda faltavam 40 minutos e eu, enquanto mulher preta, não tive mais condições de continuar, não não tive força para me posicionar nas minhas mídias sociais e não sei como vou conseguir lidar com isso daqui para frente. Nem sozinha eu estou conseguindo ficar em casa”, diz.

A professora Lia Vainer Schucman, do Departamento de Psicologia da UFSC, foi quem continuou a condução do debate: “Na hora, eu fiquei super assustada, não sabia que havia essa prática de invasões e demorei para entender. Uma coordenadora disse que havíamos sido invadidos e, na hora, um dos homens desenhou uma suástica”, contou Lia, que é judia, à reportagem.

“Os mediadores conseguiram tirá-los. Eu já fui muito atacada e hoje lido bem. Parei, respirei e propus uma análise sobre o que tinha acontecido. Falei sobre como esse tipo de ataque é comum quando as vozes negras questionam a hegemonia branca”, disse.

“Apesar de tudo isso, nós temos uma rede forte e isso me dá esperanças. Muita gente veio se solidarizar. Para além disso, espero do fundo do meu coração que a justiça seja feita e que os responsáveis sejam presos”, diz Mariana.

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