Enquanto nos EUA e em países europeus cientistas fazem greves, no Brasil ainda buscam reconhecer a mesma cor de pele em quem trabalha ao seu lado. Eles cobram medidas práticas de inclusão das instituições de ensino e pesquisa e divergem sobre os protestos de rua, que geram aglomeração antes de o país ver arrefecer os números da pandemia. Protestos que marcaram a última quarta-feira, 11, lá fora, não tiveram eco aqui dentro, a não ser nas ruas.
“Houve pedido para que os físicos brasileiros fizessem o mesmo, mas a Sociedade Brasileira de Física queria que só os negros escrevessem o documento. Como fazer greve contra o racismo em uma universidade praticamente só de brancos, sem que eles queiram participar?”, questiona Sônia Guimarães, a primeira negra doutora em física e primeira negra brasileira a lecionar no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). PhD pela Universidade de Manchester e especialista na área de semicondutores, ela soma diariamente episódios de racismo no trabalho.
“Só porque eu dei 37 palestras no ano passado, criaram uma regra de que professor só pode dar cinco palestras por ano. Já tentaram me proibir de dizer que eu sou negra porque isso estava ‘prejudicando meus colegas’.”
Na pandemia, diz Sônia, não deveria haver protestos: “Mas até quando a gente vai ter que aguentar esse tipo de coisa? Abaixo-assinado não adianta. É uma situação de desespero e ódio.”
O professor e coordenador do Laboratório de Física Aplicada e Computacional da USP (Universidade de São Paulo), Ernane José Xavier Costa, acha que ir para as ruas agora não é a saída.
“É inacreditável como o coronavírus está sendo banalizado. As passeatas americanas ocorrem em um momento totalmente diferente, depois do pico de casos. Não que não seja importante o ato, é até tardio, mas não deixo de ser crítico. Qualquer protesto na pandemia, acho de uma ignorância muito grande. Seja por democracia, volta da ditadura, contra o racismo. As vidas são mais importantes”, diz ele.
Costa coordenou o primeiro simpósio no país sobre a população negra na ciência e na tecnologia, em 2008. Liderou o desenvolvimento de um software que decodifica sinais cerebrais responsáveis pelos movimentos de esquerda e direita realizados pela mão e, com isso, conseguiu desenvolver a primeira interface de comunicação cérebro/computador da América Latina.
Ela conta as vezes em que não o viram como professor, apenas por ser negro. Em uma delas, um aluno no corredor deixou cair um líquido e falou “tio, pode limpar aqui para mim?”. Ele pegou um pano, limpou, entrou na sala e começou a dar aula. “Os alunos ficaram espantados. Me pediram desculpa e disseram que nunca tinham tido na vida um professor negro”.
Em outra ocasião foi a um evento onde iria palestrar e seu motorista branco de olho claro foi levado à área dos pesquisadores, enquanto ele foi levado ao local reservado a prestadores de serviço.
A greve internacional, diz, “é um exemplo. Demonstração de que esses cientistas têm mais do que só instrução, mas consciência”. Já no Brasil, “vejo total apatia. Me sinto envergonhado de ver a passividade dos cientistas brasileiros em relação ao racismo”.
Há algumas semanas, os poucos alunos negros da USP Pirassununga, onde ele leciona, criaram grupo de WhatsApp para discutir a questão racial pela primeira vez.
O professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Claudio Elias da Silva também foi o único docente negro na sua área durante anos. No doutorado em geofísica no Centro de Pesquisas Espaciais Goddard Space Flight Center da NASA, só havia um engenheiro da sua cor. No laboratório, um colega branco não respondia a ele.
Silva tem dúvidas sobre a efetividade de ir às ruas. “Não dá para me expor e contaminar minha família, mas a situação foi tão absurda que a emoção prevaleceu sobre a razão. Minha preocupação é a conotação partidária. Esse assunto deveria estar fora da disputa política. Também espero que não seja uma onda, modismo. Todo mundo foi lá, fez uma foto e acabou”, diz.
(Com informações da Folha de S. Paulo)