Em imagem divulgada na noite do último domingo, 12, uma comerciante negra de 51 anos aparece sendo rendida, algemada e jogada no chão por um policial que pisa em seu pescoço. A cena aconteceu em Parelheiros, no extremo da Zona Sul de São Paulo. A mulher, que ainda não teve seu nome divulgado, diz que se tornou vítima depois de falar com o mesmo policial que a agrediu, que parasse de bater em seu amigo que já estava desfalecido no chão. A comerciante conta ainda que desmaiou quatro vezes enquanto o policial pisava em seu pescoço. “Ele ficou pisando no meu pescoço com meu rosto encostado no chão”, disse.
Cenas como essa, de violência policial, acontecem constantemente nas periferias e favelas pelo Brasil. As vítimas dessa violência são, em grande maioria, pessoas negras. Em levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com base em dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública de São Paulo e das corregedorias das polícias, 371 das 381 mortes contabilizadas entre janeiro e abril deste ano foram cometidas por policiais militares, as outras 10 foram por policiais civis.
No Rio de Janeiro, a psicanalista Sandra Araujo Hott, salienta a importância de se trabalhar com o emocional desses agentes públicos de segurança para que haja menos mortes. Em entrevista ela explicou como é feito esse trabalho com policiais.
ANF: Há alguma diferença no trato com militares?
Sandra: Não há absolutamente nenhuma diferença para com o trato que civis recebem, eles são submetidos a mesma ética.
ANF: Nos quartéis há tratamento psicológico?
Sandra: Eles possuem avaliação psicológica em diversas fases da vida militar, mas penso que deveriam ocorrer com maior frequência, como uma rotina. A saúde mental desses profissionais os protege, ao seus familiares e à população. Até hoje só me vieram buscar quando já estavam destroçados. É uma profilaxia, uma prevenção poderia ser obtida com o acompanhamento psicológico rotineiro e não depois de quebrarem. E isso poderia nos dar, por exemplo, uma polícia que mata menos e que morre menos.
ANF: Se há tratamento nos próprios quartéis, porque eles te procuram?
Sandra: É comum que sejam encaminhados ao cuidado psíquico mas alguns não se sentem confortáveis em ser tratados por profissionais que sejam igualmente submissos à corporação, então acabam me procurando por não estar ligada. Entretanto, há ainda preconceito e costumam buscar minha ajuda quando a situação se agrava.
ANF: Falando em preconceito com a ida ao psicólogo. Fala um pouco sobre a importância desse trabalho, ainda mais em profissões que lidam com segurança e vida da população
Sandra: O sujeito fardado é uma pessoa, tem família e sente medo e pode morrer. Canalhas existem com e sem farda e a psicanálise não se presta a esses. Mas o militar ético, cidadão como qualquer outro, desempenha uma função de altíssimo nível de estresse onde lidar com o medo e a morte estão o tempo todo em pauta. Essa pressão contínua, especialmente para os que atuam fora dos quartéis é sobre humana e uma hora faz o sujeito quebrar. Como se estivessem em uma guerra 24h por dia. Insônia, crises de ansiedade, perda da capacidade de sentir prazer nas coisas cotidianas, uma tristeza sem fim que descamba em depressão, etc. Há muitos casos de somatização onde só assim o sujeito vem buscar ajuda.