Esta semana começou com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e os partidos PSB, PDT, PT, PSOL, REDE e PCdoB obrigando o governo brasileiro, por intermédio do Supremo Tribunal Federal, a tomar medidas para proteger os povos indígenas do avanço da epidemia de Covid-19. Sabemos que o novo coronavírus é facilmente contraído, podendo afetar pessoas em condições singulares de forma mais grave, como a idade avançada ou a presença de comorbidades, ou seja, indígenas e não indígenas são suscetíveis à doença. Entretanto, neste caso, não apenas os fatores biológicos influencia os altos índices de casos nas comunidades indígenas, mas o fator de vulnerabilidade social, historicamente construído pelo colonialismo e racismo estruturais do país, que afetam negativamente a saúde desses povos em situações de pandemia.
Em nota o Grupo Temático Saúde Indígena (GTSI/Abrasco) e a Comissão de Assuntos
Indígenas (CAI/ABA) mostraram que doenças anteriores, controladas no meio urbano por meio de vacinas iniciadas já nos primeiros meses de vida da criança, não são contidas nesses grupos étnicos, mas que tem a tendência de se espalharem rapidamente e com alto grau de letalidade, principalmente em crianças e idosos; doenças infecciosas como malária, tuberculose, hepatite B são comuns em algumas aldeias, além da desnutrição e anemia em crianças e hipertensão, diabetes, obesidade e doenças renais em adultos; doenças infecto-respiratórias ou que, indiretamente, afetam os pulmões ou rins, locais característicos de ação do novo coronavírus. As condições que a população indígena se encontra demonstra o descaso de políticas públicas efetivas para sua situação, tal condição gera complicações sanitárias e sociais.
Segundo a Articulação de Povos Indígenas no Brasil (APIB) já são 9.414 casos confirmados de indígenas em todo o Brasil, com 380 óbitos, (dados atualizados dia 27/06/20) os casos se concentram em aldeias no interior dos estados da Região Norte, não por acaso, encontra-se a maior população de indígenas do país. Os desafios para conter a epidemia dentro das aldeias são enormes, pois estão distantes das cidades e suas habitações, frenquentemente, há um grande número de moradores, dificultando os benefícios do distanciamento e isolamentos sociais. São mais um grupo social que demanda mais atenção e prioridade por se encontrarem em locais remotos e pela dificuldade de acesso ao sistema de saúde, mesmo o específico, o SESAI, a Secretária Especial de Saúde Indígena, que não garante os recursos materiais, por exemplo, para internações, pela falta de infraestrutura já anterior a pandemia das pequenas cidades.
Além dos problemas materiais, os povos indígenas precisam se preocupar com o governo genocida do presidente Jair Bolsonaro, segundo os dados do governo (SESAI), os números apresentam uma discrepância muito grande comparados com os dos movimentos indígenas, são: 5524 casos confirmados e 134 óbitos, dados atualizados na semana passada. A diferença é causada pela exclusão dos “índios urbanos” nos dados do governo, por não os considerarem realmente parte do povo daquela aldeia.
Para podermos pensar este caso de forma mais aprofundado, Aílton Krenak, líder indígena da etnia Krenak, comunidade situada as margens do Rio Doce em Minas Gerais, grande influencia para o movimento indígena pelo ganho do direito ou capítulo indígena da Constituição de 88, escreveu o livro O amanhã não está a venda (2020) da editora Companhia das Letras, uma transcrição de uma entrevista. Ele irá denominar a parte da população que não tem acesso as políticas de saúde e ações efetivas, seja por parte de governos ou de outras autoridades, de sub-humanidade. “De modo que há uma sub-humanidade que vive numa grande miséria, sem chance de sair dela – e isso também foi naturalizado”, afirma Krenak. A forma de vida antropocena, aquela que privilegia os brancos e prejudica os não-brancos, deve ser abandonada para um novo paradigma que sustente o diferente, a pluralidade de existências e hábitos. A criação colonial no Brasil definiu essa humanidade como separada da própria Natureza, os desresponsabilizando-os de serem culpados pelas mudanças drásticas que o planeta sofre; alienando-se. Para Krenak, “esse organismo, o vírus, parece ter-se cansado da gente, parece querer se divorciar da gente como a humanidade quis se divorciar da natureza. Ele está querendo nos ‘desligar’ tirando o nosso oxigênio.” Ainda assim, o intelectual indígena defende que o surgimento da Covid-19 não é um presságio para o apocalipse, mas um mensageiro para a possibilidade de um novo mundo, de uma nova maneira de ser humano.
“Para combater esse vírus, temos de ter primeiro cuidado e depois coragem.”
O futuro é e depende do aqui e agora para existir, devemos abandonar este projeto de humanidade que exclui aqueles que não são consumidores/clientes, mais uma engrenagem do sistema capitalista, sistema esse que banaliza as mortes e insistem em ignorar as recomendações de médicos e cientistas para a continuidade das atividades econômicas. Temos que parar de vender o nosso amanhã. “Se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados da ruptura ou da extinção do sentido da nossa vida, hoje estamos todos diante da imanência de a Terra não suportar a nossa demanda”, nos fala Ailton Krenak; esta é a oportunidade de pararmos para pensar que tipo de humanidade nós construímos e para onde estamos seguindo. O mundo está em suspensão, não seremos mais como antes e nada será o mesmo, é um choque de consciência para o que verdadeiramente importa: lutar pela vida.
“Nossa existência é nossa resistência.” (Sônia guajajara)
Trabalho arduo para a professora e política indígena Sônia Guajajara, que em entrevista para o site UOL, é essa a política do governo Bolsonaro: “para nós, povos indígenas, muito mais do que sentir essa negligência, é sentir um racismo institucional que acaba se transformando em um genocídio autorizado” não aceitando os direitos indígenas favorece sua extinção, de forma social ou “natural”. Se há aqueles que alegam que é o fim dos tempos chegando, devemos pensar por outra perspectiva, por aquela que não seja fruto da branquitude ou do pensamento capitalista, ver este momento como a perda de prazeres que a gente não quer perder para poder criticar e rever o caminho que insistimos em seguir: o de exclusão e banalização da vida. Se aceitarmos isso, voltaremos ao negacionismo, afirmaremos que a Terra é plana e continuaremos a nos divorciar uns dos outros. E provaremos que o projeto de humanidade é um fracasso e mentira.