A pandemia que nunca aconteceu no Complexo da Maré

"De Olho No Corona" do Redes da Maré, passando sempre informações do número de vítimas no conjunto de favelas da Maré - Divulgação

Mesmo com o número de mortos cada vez maior, o governo de vários estados e prefeituras flexibilizam a quarentena e reabrem estabelecimentos por todo o país. Desde então, muitas pessoas passaram a desrespeitar funcionários da saúde em suas rondas, além de burlar regras sem usar máscaras, em aglomerações e postando vídeos em suas redes sociais, como se fossem imunes ao vírus.

Tudo isso acontece nas classes mais altas das cidades. No Rio de Janeiro, por exemplo, Zona Sul e Zona Oeste estão cheias de pessoas nas ruas, como se, livres do isolamento social, vivessem agora uma espécie de férias coletivas. Mas, o que poucos sabem, ou fingem desconhecer, é que na favela nunca houve isolamento, como no asfalto.

No Complexo da Maré, só as escolas estão fechadas desde o início da pandemia. As igrejas fecharam depois de muitas conversas de líderes comunitários e proprietários de templos religiosos. Academias abertas, salões de beleza, papelarias, lojas de materiais de construção, feiras de rua, bares, restaurantes, quiosques, enfim, nada foi alterado. As pessoas nunca deixaram de trabalhar; não por falta de informação ou cartazes espalhados nas 16 favelas da Maré, mas porque a favela não pode parar por vários motivos, e o principal é a sobrevivência.

A grande maioria das pessoas não pararam de trabalhar ou não foram dispensadas de seus postos nessa pandemia. Martha Vieira, de 58 anos, é feirante e desde que começou a pandemia não teve um dia em que ela não montasse a barraca de legumes, verduras e frutas na rua principal da Vila do João: “Eu tenho família, tenho que ajudar minha mãe na Paraíba. Não confio no dinheiro do governo, eles demoram a pagar e eu tenho as contas de casa, só acredito no meu trabalho. Tenho medo de pegar, mas eu uso máscara e tenho álcool em gel na barraca e em casa. Pobre não tem direito de parar”.

Difícil é entender as pessoas que estão nos bares no fim de semana para se divertir. Na final do campeonato carioca, por exemplo, a rua principal da Vila dos Pinheiros ficou intransitável. Muitas bandeiras de times, pessoas rindo, bebendo e sem máscaras. Aliás, a máscara é amada e odiada ao mesmo tempo, mas uma coisa é inegável: ela é essencial para que o vírus não se espalhe cada vez mais.

Segundo o site da organização Redes da Maré, que tem o boletim semanal “De Olho No Corona”, ela é a favela do Rio de Janeiro que tem mais vítimas da Covid-19. A maioria das pessoas está na faixa dos 60 anos. Com o plano de flexibilização da prefeitura em prática, a expectativa é de que os casos aumentem. Afinal, existe um leque de variedades de diversões para quem não respeitam ou não entende que o vírus faz mais vítimas a cada dia, como mostram as estatísticas diárias divulgadas pela mídia.