Um contêiner e um caminhão abandonados atrás da Pró-Reitoria de Administração e da Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sumai) da Universidade Federal da Bahia, no campus de Ondina, serviriam ao programa “Saúde na Escola”, que nunca os utilizou. Enferrujado, tintura apagada e até um pouco de limo, o contêiner seria para atender alunos da rede municipal e estadual de ensino, através do projeto criado em 2013 pelo governo federal chamado Consultórios Itinerantes de Odontologia e
Oftalmologia.
O superintendente da Sumai, Fábio Macedo Velame, sempre viu contêiner e o caminhão por lá e disse que eles tinham sido deixados inicialmente na frente da superintendência, mas depois movidos para os fundos do prédio. Já Hugo Ribeiro, antigo diretor do Hospital Universitário Professor Edgard Santos e professor da Faculdade de Medicina da Ufba, não consegue entender por que o projeto não foi adiante”. Foi na sua gestão (2004 a 2013) que as conversas para a implementação do projeto foram iniciadas com o MEC. Segundo, Ribeiro, tudo já tinha sido viabilizado: os consultórios equipados já tinham sido entregues pelo governo federal e a mão de obra seriam os alunos de Odontologia e de Medicina, pois valeria como atividade de extensão.
Só faltava negociar com as secretarias municipais e estaduais de Educação e Saúde, que entrariam com os custos de manutenção e infraestrutura.“Não tinha como a universidade bancar”, explica Ribeiro. A Secretaria Municipal de Saúde esclareceu que a gestão dos consultórios era de responsabilidade do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes): “A SMS faria alguma intervenção somente se a Ufba ofertasse o serviço; não existe serviço ofertado”. A Ufba recebeu um caminhão e dois baús com equipamentos, incluindo um aparelho de raio-X e um laboratório de montagem de óculos. Cada caminhão custa R$ 170 mil e cada baú, R$ 90 mil. O investimento federal é estimado em quase R$ 350 mil.
A universidade esclareceu que a responsabilidade para a implantação dos consultórios era da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que gere os hospitais das universidades federais do Brasil. A empresa, no entanto, explicou que “quem deveria coordenar o cadastramento dos consultórios eram os gestores de saúde e de educação em seus diversos níveis”. E acrescenta que 27 universidades federais aderiram ao projeto em todo o Brasil e 30 hospitais universitários receberam as unidades de saúde móvel. O investimento do governo federal foi R$ 2,5 milhões.
Na Bahia, a execução se daria pelo Hupes. Por nota, o hospital respondeu que “encontrou dificuldade de execução no modelo proposto, visto que a Portaria Interministerial não definiu pagamento pelo SUS para o programa, não destinou profissionais e nem dispôs de recursos para manutenção dos equipamentos”.
O Hupes ainda justificou que não conseguiu ir adiante com o projeto porque os insumos oftalmológicos e odontológicos “têm um alto custo” e “há dificuldade logística e de estrutura nos locais que receberiam o projeto itinerante, tais como infraestrutura de luz, água e acesso físico, o que gerou desinteresse das escolas e também das secretarias de saúde e educação no avanço da proposta”. O hospital ainda disse que o MEC publicará uma nova portaria que permite que os hospitais doem os equipamentos para uma instituição indicada pelo SUS.
Umas das universidades baianas que implementaram o projeto foi a Federal do Vale do São Francisco, entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), onde os consultórios foram inaugurados em 26 de novembro de 2013. No mesmo dia, 12 crianças, que estudavam na Escola Municipal Maria Franca Pires, de Juazeiro, foram atendidas.
Segundo a portaria que regulamenta o projeto, o objetivo era realizar ações de atenção à saúde à população, prioritariamente de estudantes atendidos pelo Programa Saúde na Escola e cadastrados no Programa Brasil Alfabetizado.
Como o texto não especificava com detalhes quem deveria arcar com os custos de manutenção, alguns hospitais não conseguiram levar o projeto adiante. O Ministério da Saúde comunicou que “o Programa Olhar Brasil foi descontinuado em 2014 em comum acordo entre as pastas da Saúde e da Educação”. Entretanto, o ministério não soube informar sobre os consultórios odontológicos, que fazem parte do programa.
A Secretaria Estadual de Educação esclareceu que “sempre esteve à disposição para contribuir com o projeto e indicou escolas para recebê-lo”. Já a Secretaria de Educação Municipal disse que “não tem qualquer ingerência sobre os consultórios doados à Ufba”. A pasta também informou que “sempre atuou de forma incisiva com o objetivo de desenvolver suas atribuições, conseguindo articular mutirões de saúde, encaminhar profissionais para realização de consultas presenciais, que resultaram na distribuição de óculos”.