Corregedoria da PM flagra policiais e milicianos em extorsão a mototaxistas no Rio

Mototaxistas são achacados de ambos os lados, segundo as gravações - Foto da internet

Vídeos e grampos telefônicos divulgados por uma emissora de TV por assinatura revelam estreitas ligações entre a polícia e a milícia e resultam de investigação da Corregedoria da Polícia Militar a partir do recebimento de um vídeo. Nele, o sargento Jorge Henrique da Silva, o Dô, apontado chefe da milícia, aparece com outras quatro pessoas. Duas delas estão armadas, e dizem que aquele é o “Bonde do Dô”.

Segundo a denúncia do Grupo de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio de Janeiro, a milícia que atua na favela Asa Branca, em Jacarepaguá, Zona Oeste da cidade, é responsável por vários crimes, como a exploração de “gatonet” e a venda de cigarros contrabandeados do Paraguai. Segundo a investigação, o braço direito de Dô na milícia, considerado o “02” da organização criminosa, é o sargento da PM Adelmo da Silva Guerini Fernandes, também alvo da operação.

Mas os criminosos atuam principalmente na exploração ilícita de pontos de mototáxi, com cobrança de taxas dos mototaxistas. E, para que os motoqueiros em situação irregular possam circular, pagam propina a agentes públicos, como policiais militares.

Os promotores apontam ainda um esquema de propinas a policiais militares dos batalhões de Jacarepaguá e do Recreio dos Bandeirantes em troca de informações privilegiadas de operações policiais na região. Os milicianos compartilhavam em grupos de mensagens os locais onde a polícia montava as operações. Em uma das conversas, um miliciano fala com o chefe do grupo (“Dô”) sobre uma operação da Lei Seca, em maio de 2019. Dô comenta que já avisou sobre a operação aos mototaxistas.

O MP afirma que a propina paga pelos milicianos também servia para a polícia permitir a livre circulação de mototaxistas irregulares na região. E, caso fossem abordados, os motoqueiros eram liberados.

“Livre circulação de mototaxistas nas circunscrições abrangidas pelas referidas unidades, independentemente de qualquer irregularidade de trânsito existente. Assim, mototaxistas porventura abordados em fiscalizações de trânsito são sumariamente liberados”.

Um dos áudios mostra um mototaxista pedindo ajuda a um miliciano para ser liberado de uma blitz por um policial.

Grampo 2

Mototaxista: PC?

Miliciano: Oi.

Mototaxista: Aqui é o mototáxi da Merck, ali. Trabalho com o Maurício.

Miliciano: Fala aí.

Mototaxista: Fui parado aqui no Jardim Clarice. O Nielsen falou que é ele que tá aqui na operação.

Miliciano: E aí, que que tu quer que eu faça? Hoje é megaoperação amigo… hoje é megaoperação, irmão.

Mototaxista: Pô, não tem como falar com ele, não? Perder um café pra ele aqui não?

Miliciano: Não, vou falar, vou te ajudar… mas na próxima vou deixar você se … pra poder aprender. Porque eu já avisei, irmão: megaoperação não é pra rodar. Bota ele aí, fala que sou eu aí, pra ele falar comigo no telefone.

Miliciano: PC, meu parceiro…

PM: Fala meu parceiro.

Miliciano: Dá pra ajudar aí? Se der, bem. Se não der, empurra a …

PM: É o que eu tô falando pra ele… irmão, tá tudo mundo ciente que hoje é operação, cara…

Miliciano: Positivo, positivo. É isso aí. Eu já avisei ele também… dá pra ajudar, irmão?

PM: Vou ver aqui o que eu consigo fazer…valeu? É que eu tô com mais 4 amigo aqui, mas vou ver o que eu consigo fazer.

Miliciano: Não sai no 0 a 0 não. Toma um negócio dele aí, que ele falou que ia te dar um negócio.

PM: Já é. Valeu.

Miliciano: Tamo junto irmão.

PM: Valeu. Abraço.

O miliciano PC liga de novo para Nielsen.

Miliciano: Irmão, deixa eu te fazer uma pergunta: já acabou?

PM: Cara… praticamente. Porque a gente… apesar de que tem outra equipe lá na Praça Seca.

Miliciano: Ah, ainda tem outra lá, né?

PM: A gente aqui já acabou. Tá indo só buscar duas moto aqui na curva Chico Anísio pra ir embora.

Miliciano: Ah, show. Quando acabar aí, quando tiver um término aí, vocês voltar pro batalhão, tu me dá ligada? Só pra eu dar uma assuntada no menino?

PM: Já é.

Miliciano: E aí, resolveu o garoto?

PM: Resolvi, tudo certo.

Miliciano: Show de bola.

Outro áudio mostra um policial militar falando com o miliciano sobre uma mototaxista em situação irregular circulando na região.

Grampo 3

PM: Fala PC

Miliciano: Fala meu amigo, bom dia.

PM: Pô mano…o que acontece? Tu sabe que a condição não é pra rodar desse jeito, que a mina tá rodando aqui, né?

Miliciano: Pô, meu parceiro…

PM : A moto é sucata, sem placa. … irmão!

Miliciano: Deixa eu te explicar um negócio, mano…

PM: E ela nem pra segurar, mano. Ela passou do lado da viatura, mano…

Miliciano: É … Eles são …

PM: Entendeu mano?

Miliciano: Te explicar aqui, neguinho: ela aí, deve ter mais ou menos 15 dias, mano. Pô, foi um maluco lá no ponto e roubou a “motinha” dela. Tudo direitinho. Ela trabalhava direitinho…

PM: Já é.. vou deixar ela seguir aqui os trabalhos aqui… diretamente com ela. Já é?

Miliciano: Pô, já é. Pô, a garota é sofrida. Sofridona.

Toda essa ajuda da milícia não era de graça. Segundo a investigação, qualquer mototaxista que quisesse trabalhar na região tinha que pagar uma taxa.

Grampo 4

Mototaxista: Aí Moises, tô com teu dinheiro aqui. Cheguei agora da obra, cara. Pô, falei que ia chegar em meia hora, mas não deu tempo.

Miliciano: Pô, irmão. Mas aí, o que acontece? Eu dei a tolerância aí até 7 horas…entendeu? Agora, foi o que eu deixei com o Junior aí. O Dô falou ‘é 100 reais todo mundo’, irmão. Entendeu?

Mototaxista: Cara, mas o problema é o trânsito. Eu tava trabalhando na obra. Nem no mototáxi, tô rodando.

Miliciano: Eu sei, mas eu não posso atropelar o cara, irmão. Tá entendendo? Não posso atropelar o cara. Eu já entreguei a lista de quem pagou, de quem não pagou. Entendeu? O cara quer o dinheiro 6 horas, entendeu? Vou dar o restante dele amanhã, entendeu? Eu não posso atropelar o cara, senão eu vou acabar trocando de lugar com vocês, brother. Vocês sabem que o ponto é até 6 horas. Ainda dou uma tolerância até 7, irmão.

Interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça mostram que os mototaxistas que deixavam de pagar as taxas impostas pelo grupo eram banidos, ameaçados e agredidos fisicamente. Trecho da investigação explica: “Um traço marcante da organização criminosa é o emprego de violência e grave ameaça contra todos aqueles que de alguma forma atrapalham seus interesses. Com efeito, depreende-se das chamadas interceptadas, abaixo colacionadas 12, que os mototaxistas que deixavam de pagar as taxas impostas pela malta eram sumariamente banidos da região, ameaçados e agredidos fisicamente”.

Grampo 5

Miliciano: Oi?

PC: Tomei a moto do cracudo ontem…dei umas porradas nele ontem.

Miliciano: Tomou?

PC: Tomei.

Miliciano: Pra mim ele já tinha te pagado já, porque tu não me ligou. Eu falei ‘então ele já deve ter dado até o dinheiro pro PC’. Tá ligado? Falou o que?

PC: Falou que não conseguiu o dinheiro pra me pagar.

Miliciano: Caraca. Como que não consegue… (inaudível)

PC: Dei-lhe um monte de porrada nele, boneco. Lá na casa dele. Fui lá na casa da sogra dele. Falei ‘cadê meu dinheiro, seu…’? Assim mermo. Aí ele ‘pô, mano, eu não consegui fazer’. Aí pau, pau (palavrões). ‘Me dá a chave da moto’.

Miliciano: É isso mermo. Fazer igual o Léo fez. Tomou a moto lá do outro. Aí. Tem que tomar mermo.