A pesquisa “Ganhar vida, perder a liberdade: trabalho, tráfico e sistema socioeducativo”, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC), divulgada na última quarta-feira revelou quem são os jovens em privação de liberdade por tráfico de drogas. Os números da pesquisa deixam explícitas todas as dificuldades que eles passaram até chegarem aos departamentos gerais de ações socioeducativas (Degase); 84% se declaram pretos ou pardos e 71% têm renda familiar de até um salário mínimo. Além da pobreza, outro fator comum é a exposição a violência policial e sexual, 31% já sofreram algum tipo de tortura por agentes de segurança pública, 29% já foram vítimas de algum tipo de abuso sexual e 7% estavam em situação de exploração sexual. Todos esses dados somados a falta de políticas públicas de proteção da juventude lotam as casas de medidas socioeducativas e geram o estigma que esses jovens carregam ao passar por esses lares.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que tráfico de drogas não deve resultar em privação da liberdade, uma vez que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), considera o tráfico de drogas um dos piores tipos de exploração do trabalho infantil. As jornadas costumam ser de mais que 10 horas por dia e, em média, com remuneração de 4 reais a hora e alguns casos uma “comissão” da venda paga em substâncias. Situações que levam os adolescentes ou ao vício ou a se tornarem em conflito com a lei. E, mais grave que a vulnerabilidade da imensa maioria desses jovens, é que os menores de idade acusados de tráfico de drogas entraram em sistema que se diz “socioeducativo” sem ter cometido qualquer ato de violência propriamente dito, o que fere o ECA. Além disso as condições dos departamentos socioeducativos das cidades brasileiras frequentemente carecem de itens básicos de higiene, condições de estudo e lazer e são frequentes os relatos de torturas e humilhações. A prática da tortura ainda é recorrente sofrido pelos menores internos e um tabu para as denúncias nas comissões de direitos humanos de todas as capitais.
O relato de uma adolescente que cumpre medida socioeducativa no Centro de Socioeducação (Cense) de Curitiba se assemelham aos relatos de um amigo que foi aluno do Cense em 2005. Narrativas longas, que começam com superlotação, falta de itens de higiene, brigas entre os alunos e principalmente abuso de poder dos educandos. Piadas de cunho humilhante, comentários sexistas, privação de alimentos, ameaças, agressões físicas. Os dois nunca falam muito sobre o assunto mas quando falam enchem os olhos de lágrimas e engasgam a voz. Ambos dizem ter certeza que o discursos de Jair Bolsonaro de desprezo aos direitos humanos e exaltação da tortura pioram o cenário para crianças e adolescentes da casa e que temem pelas práticas desses agentes dentro e fora dos lares socioeducativos.
Fica clara a semelhança entre os departamentos gerais de medidas socioeducativas e cadeias brasileiras tanto nos dados apresentados pela pesquisa quanto nas narrativas dos adolescentes. O que queremos com um lugar que reforça ainda mais os estigmas da pobreza e não oferece maneiras de reintegração? Se antes desses adolescentes estarem em conflito com a lei, eles já estavam privados de dignidade e igualdade, não podemos nos surpreender pela falta de perspectivas e crenças no sistema capitalista. Não encarar a privação de liberdade como projeto de genocídio da juventude negra periférica é fechar os olhos para os problemas socais e também cegar-se ao fato que o ECA não está sendo cumprido para proteção, uma vez que garante que apenas crimes com violência propriamente dita sejam passíveis de cerceamento de liberdade, e que o estado está sendo mais uma vez criminoso contra os vulneráveis. Queremos um futuro de igualdade livre de qualquer opressão e dependemos de nossa juventude viva e assistida.