“Que Estado é esse que desrespeita o mais fundamental direito, que é o direito à vida?
Que política de segurança é essa que extermina as camadas mais pobres da sociedade e que considera cidadão apenas as pessoas provindas da classe média pra cima?
Que polícia é essa que extermina nossas crianças e que fala para a imprensa, órgãos regulatórios, entre outros, que o que aconteceu não partiu deles, que a criança morreu por bala perdida em confronto de facções rivais?
Que confronto?
Onde estão as cápsulas de bala no chão?
Onde ressoaram os barulhos dos tiros trocados? Cadê as paredes perfuradas?
Apenas um tiro de fuzil foi disparado… tiro este que encontrou seu destino na cabeça de uma criança inocente que saía para comprar o pão”.
Foto: Naldinho Lourenço
Este relato, assinado e divulgado pela jornalista Silvana Sá, sobre Matheus Rodrigues. Com apenas 8 anos, foi morto com uma bala de fuzil na cabeça em dezembro do ano passado, tiro dado pela Polícia Militar que fazia ronda na favela em que o menino morava, na Baixa do Sapateiro (Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro), reafirmando a ação violenta que a polícia tem dentro das favelas cariocas. Além disso, prova também como a mídia e os órgãos públicos tratam essa população, mostrando que a criminalização a eles é claramente defendida e praticada.
A mãe de Matheus, Gracilene Rodrigues dos Santos, que até hoje luta por justiça, buscando uma resposta para tal atrocidade ao seu filho, infelizmente não foi, e não é a única mãe que chora ou chorou pela covarde morte de seu filho. Outras mães de pobres, de negro e de favelados, as maiores vítimas desta violência policial, estão neste extato momento enterrando seus filhos, enterrando sua história, colocando para fora suas lágrimas de dor e revolta.
A resposta dos representantes governamentais para tamanha brutalidade dentro das favelas cariocas, para tantas mortes, é a de combate ao tráfico de drogas. Mariano Beltrame, Secretário de Segurança Pública do Rio, por exemplo, afirma que o estado apresenta um cenário de guerra e, por isso, é preciso que a polícia haja com tanta severidade. A conseqüência disso é a morte de muitos favelados. Segundo Beltrame, o crime organizado se encontra nesses locais. “O Rio chegou a um ponto que infelizmente exige sacrifícios. Sei que isso é difícil de aceitar mas, para acabarmos com o poder de fogo dos bandidos, vidas vão ser dizimadas. (…) É uma guerra, e numa guerra há feridos e mortos”.
Argumento parecido foi utilizado pelo então governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral Filho, em abril do ano passado, quando em entrevista ao defender o aborto disse que a mulher de favela é fábrica de bandido. “A questão da interrupção da gravidez tem tudo a ver com a violência (…) Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha, é padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal. O Estado não dá conta”. Ou seja, em poucas palavras, Cabral, demonstra diferentes formas de entender a sua conduta governamental no Estado, se referindo particularmente as classes mais pobres, pois em uma mesma frase, ele demonstrou seu preconceito ao morador de favela ao afirmar que nela só existem bandidos. O que nos explica o uso dos caveirões nas operações policiais, o abandono das escolas, dos hospitais públicos, da falta de lazer, de emprego, dentre diversas outras coisas básicas para a sobrevivência de cada cidadão.
Pior que saber que a criminalização da pobreza existe, é saber que ela é claramente apoiada, praticada por nossas autoridades. E este método de criminalizar e enganar o pobre é feito antes mesmo das eleições. Sergio Cabral e diferentes outros políticos se aproveitaram das necessidades do povo, prometendo na campanha o que as pessoas mais queriam ouvir, mas depois de conseguirem o que queriam não respeitaram esta mesma população que os colocaram lá. De acordo com o Deputado Estadual Marcelo Freixo, a campanha eleitoral de Cabral e o que é hoje o seu governo, significa ser um dos maiores estelionatos eleitorais que já existiu. Pois uma de suas promessas era a mudança na política pública de segurança adotada pelas autoridades anteriores. “Isto não aconteceu apenas na segurança, mas na educação, na saúde, em áreas estratégicas. Na saúde, a única coisa que se fez até agora foram as fundações públicas de direito privado. Na educação, é um governo que investe em laptop, em ar condicionado, e o salário dos professores continua R$ 500. Na segurança, é um governo que comprou nove, ou dez caveirões”.
E tudo isso, eles, as autoridades governamentais, não fazem sozinhos, existem muitos interesses para que essa população pobre, favelada, continue sem seus direitos. A grande mídia, por exemplo, tem grande responsabilidade nisso. Ao cobrir a morte de Matheus Rodrigues, na Maré, no primeiro momento, ela afirmou que este pequeno menino tinha envolvimento com o tráfico. Não ouviu os mais de 200 moradores que estavam no local chorando, clamando por justiça, ela apenas deu ouvido ao que a polícia disse. Como se ser envolvido com o tráfico justificasse a crueldade que esta Política de Segurança Pública do Rio de Janeiro faz dentro das localidades mais pobres, que apenas extermina, ao invés de oferecer o direito à vida.
A solução para tudo isso é ouvir, analisar, questionar, cobrar destas autoridades tudo o que eles prometeram durante suas campanhas eleitorais. Afinal, quem os põe no poder, é a maioria, o povo, e são estes que podem mudar esta crua realidade que atormenta todos os dias cada morador de favela e todos os que pertencem a classe mais pobre. É preciso que cada cidadão exija seus direitos. As pessoas, os movimentos sociais e as diferentes instituições precisam se organizar e defender seus interesses. Interesse este que parece ser único, que é garantia dos direitos de cada cidadão, o que se resume ao direito de viver.
GIZELE MARTINS – Estudante de jornalismo e moradora da Maré – mare@anf.org.br