Educação cidadã no Espaço Humanidades Ossos 21 em Salvador

Educadores Sociais do Ossos 21
Professores Juraci Tavares e Elisabeth Tavares, e a atriz Vera Lopes - Foto Valdeck Almeida de Jesus/ANF

“A educação cidadã, crítica, de qualidade, nasce do desejo de dividir os saberes com pessoas negras e de baixa renda, para que cada cidadão possa ser protagonista e sujeito de sua própria trajetória”, afirma Juraci Tavares, professor e idealizador do Espaço Humanidades Ossos 21. Em fevereiro de 1992 o Espaço foi instalado, na Rua dos Ossos, 21, Santo Antônio, em Salvador.

Idealizado pelos professores Juraci Tavares, Elisabeth Tavares e Luís Carlos para apoiar a juventude negra e pessoas de baixa renda a ingressarem na Escola Técnica Federal da Bahia. No início era na residência do casal Tavares. Com a demanda crescente virou itinerante: sala emprestada no Caminho de Areia; escola na San Martins, da cunhada de Juraci, a professora Lúcia Tavares; no Centro Espírita Luz e Caridade, no Barbalho; e o retorno ao Santo Antônio em casa alugada, depois comprada e reformada, sede atual, ao lado da residência dos Tavares.

O espaço tem como base as aulas gratuitas de português, matemática, geografia, história etc, com foco na formação cidadã, e todo o investimento para criação e manutenção é feito por Juraci e Elisabeth. Os primeiros alunos foram filhos de porteiros, cobradores e motoristas da vizinhança, depois se ampliou para outros públicos. Atualmente há novas atividades, como iniciação musical e yoga, com taxas acessíveis e pagas pelos alunos aos respectivos professores, além de ensaios e espetáculos culturais.

“Defendo que nós, principalmente negros, quando conseguimos driblar as estratégias da sociedade e do estado em nos colocar no lugar da subalternidade, devemos contribuir com os outros negros e pretos e pessoas de baixa renda, para tentar trazer para o mesmo patamar, pois, é nós por nós”, comenta Juraci Tavares, ao citar o professor e poeta Nelson Maca.

As aulas preparatórias continuam, agora voltadas para o Instituto Federal da Bahia e universidades públicas com o objetivo de “fomentar o desenvolvimento humano por meio da educação, cultura e arte enquanto instrumentos mediadores de trocas e saberes”. O professor Juraci afirma que todos os anos são aprovados alunos do projeto nas instituições federais de educação, como Ifba e Ufba.

Juraci Tavares, 70 anos, é um profissional de múltiplas habilidades, técnico de edificações no ensino médio, licenciado em construção civil e tem especialização em metodologia do ensino superior, em filosofia e em música pela Universidade Federal da Bahia- UFBA, onde foi colega de sala de ex-alunos do IFBA e do Ossos 21. “Esses estudos são necessários para que eu possa colaborar mais com a sociedade, com a minha comunidade”, justifica Juraci Tavares .

A bacharel em direito e atriz gaúcha Vera Lopes, de 64 anos, relata: “Meu primeiro contato com Juraci Tavares foi com o músico, em 2012, quando me mudei pra Salvador, e nossa amizade se estreitou”. Essa amizade virou parceria. “Em 2018 o local passou por uma reforma física, já com intenção de ampliação das atividades ali desenvolvidas. Recebi o convite para coordenar o projeto e aceitei de pronto”, comenta Vera Lopes, gestora do projeto.

Atriz Vera Lopes ao lado do professor Nelson Maca. foto: Arquivo pessoal

“Inicialmente, o desafio de estar à frente do Projeto Cultural do EHO21, me causou inquietação, mas a solidariedade das pessoas que já atuavam e as demais que foram se agregando a proposta, foram apaziguando o coração e impulsionando na direção de novos desafios. Tanto que hoje me sinto cada vez mais vinculada à cidade de Salvador, e a cada evento que conseguimos tornar público é uma fonte imensa de aprendizagem.

A convivência com o professor Juraci, o artista Juraci, a professora Elisabeth, e com toda a equipe do EHO21 é valiosíssima, enriquecedora nas mais diversas áreas do saber. É uma honra e um privilégio fazer parte desse grupo. E acredito que nossa função no Espaço é a de compartilhar saberes.”, explica Vera Lopes.

Ex alunos da instituição sempre retornam e colaboram com a continuidade do trabalho social: Antônio Fernando, médico, filho de falecido porteiro do IFBA, foi um dos primeiros alunos da turma de 1992 e tem dado contribuições com aulas no Ossos 21.

Ivanildo Almeida, ex-aluno e atual colaborador do Ossos 21. Foto: Valdeck Almeida de Jesus/ANF

Ivanildo Almeida, 54 anos, estudou no local entre 2008 a 2015, através da indicação de uma amiga que participava do projeto. “Ela me falou sobre as aulas de reforço escolar, e também assuntos diversos para despertar o interesse na escola em todos os aspectos e durante todo o tempo, como filosofia e redação. Para mim foi algo inédito, aprendi a harmonia e amor aos estudos, embora meus pais tivessem me incentivado, mas a importância eu descobri com o professores Juraci e a  Elisabeth”, desabafa Ivanildo Almeida, graduando em Saneamento no Instituto Federal da Bahia, atualmente é monitor da turma do primeiro semestre no Espaço Humanidades.

Andréia Borges estudou no Ossos 21 e hoje dá aula no projeto. Foto: Valdeck Almeida de Jesus/ANF

Andréia Borges dos Santos, 42 anos, Engenheira Civil, iniciou sua trajetória e experiência com o Espaço Humanidades, na década de 90, mais precisamente em 1992, soube das atividades através das irmãs mais velhas que frequentavam o cursinho, que naquele período funcionava na residência dos fundadores. Ela cursou matemática e português, preparatório para a Escola Técnica Federal, atual IFBA, conseguiu entrar no curso de Edificações em 1994. Mesmo dedicada com os estudos encontrou muita dificuldade para entrar no Cefet. Mas, no ano que fiz o curso no Ossos 21 teve o resultado positivo. A metodologia aplicada no local é um diferencial estudar para estruturar o conhecimento nas disciplinas básicas.

“Depois fiz faculdade de Engenharia Civil, tenho passado com muito esforço mas com tranquilidade para alcançar boas médias e fazer iniciação científica. Para a minha formação pessoal foi muito importante também: os educadores permaneceram na minha vida mesmo depois de finalizar o curso, onde aprendemos a nos comunicar, interagir socialmente e compartilhar conhecimentos. Foi aqui que aprimorei meu gosto pela leitura, tendo feito minha primeira publicação num livro coletivo de poesia em 2019. O amor e a paciência que eles têm com os alunos, enxergando o potencial de cada um além das questões acadêmicas faz muita diferença no resultado individual. Não conheço ninguém que passou pelo curso completo que não foi adiante, superando os desafios. O Ossos 21 é um espaço de aconchego e amor. Tudo que aprendi sobre minha negritude, a valorização de mim mesma, o fortalecimento da minha autoestima foi aqui”, Andréia Borges, hoje é colaboradora do espaço dando aulas de matemática.

O sentimento de gratidão é demostrado através do poema dedicado a Juraci Tavares, feito por Andréia Borges.

Eu gosto da militância leve dos juracis, dos que superaram a dor, dos que não têm medo de se opor, dos que justificam coerentemente o que escrevem. Eu gosto das posições firmes, radicais, porque a consciência tem que ser construída, assumidos os séculos de negação, reconstituídas as medidas histórias desiguais, para que se revele a exclusão. Mas tudo pode ser dito, quando se diz como os juracis, de forma leve. Porque é o amor que manda, porque a alma é branda, e a vida é breve.

Juraci Tavares: Educador, cantor, compositor, militante com sua música e atuação nos movimentos de luta a favor da igualdade de oportunidades para os descendentes de africanos do Brasil. Uma das músicas que retrata seu compromisso com o social e o menos favorecidos é: Quilombos Urbanos, composta por ele e Ulisses Castro).

Contato através das redes sociais: https://www.facebook.com/Ossos21/

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Valdeck Almeida de Jesus
Valdeck Almeida de Jesus é jornalista definido após várias tentativas em outros cursos, atua como free lancer, reconhecendo-se como tal há bastante tempo. Natural de Jequié-BA (1966), e escreve poesia desde os 12, sendo este o encontro com o mundo sem regras. Sua escrita tem como temática principal a denúncia: política, de gênero, de raça, de condição social, de preconceitos diversos: machismo, homofobia, racismo, misoginia. Coordena o movimento “Galinha pulando”, o qual pode ser visto no blog, no site e nas publicações impressas. Este movimento promove anualmente um concurso literário, aberto a escritores(as) do Brasil e do exterior. A poesia lhe trouxe o encantamento, mundos paralelos, as trocas, a autocrítica, a projeção de si e de outro(s), maior consciência de classe e de coletivo. Espera que as sementes plantadas se tornem árvores, florescendo e frutificando em solos assaz diversos. Possui 23 livros autorais e participa de 152 antologias. Tem textos publicados em espanhol, italiano, inglês, alemão, holandês e francês. Participa de vários coletivos da periferia de várias cidades, bem como de algumas academias culturais e literárias.