Há exatos 20 anos o Brasil vivia uma de suas tragédias do sistema penitenciário. O motivo? A morte de 11 presos que aguardavam audiência de custódia, no complexo penitenciário da Papuda, em Brasília, no Distrito Federal. A disputa pelo controle do tráfico e a cobrança de dívidas de drogas teriam sido o estopim de uma guerra que se mantém, duas décadas depois, nos presídios brasileiros. O complexo da Papuda opera hoje com uma quantidade de presos 125% maior do que sua capacidade.
A precária situação carcerária ganhou manchetes no noticiário nacional e internacional no dia 17 de agosto de 2000, quando aconteceu a “Chacina da Papuda”. Nove detentos perderam a vida por asfixia e dois por queimaduras. Além desses, outros três foram hospitalizados com ferimentos graves.
A rebelião aconteceu por um acerto de contas entre facções rivais e pelo controle do tráfico de drogas no presídio, mas a Secretaria de Segurança não descartou, à época, que o caso pudesse ter conotação política.
Parece surreal falar em controle do tráfico de drogas “dentro do presídio”, mas há décadas que o Brasil não consegue controlar ou monitorar seu próprio sistema penitenciário. São comuns notícias de que os presos fazem ligações de celulares de dentro das penitenciárias, inclusive simulando sequestros para pedir resgates.
Voltando ao tema do motim da Papuda, o que teria causado as mortes naquele 17 de agosto de 2000, teria sido a vingança pela morte no dia anterior do apenado Ananias Elisário da Silva, no mesmo pavilhão onde ocorreu a a rebelião.
Naquele época, o Congresso Nacional havia instalado uma CPI para apurar o roubo de cargas no país e Ananias era apontado como o líder da quadrilha que assaltava e matava caminhoneiros nas estradas; daí a especulação sobre uma motivação política para o motim.
Ananias estaria prestes a fechar um acordo, delatando companheiros, detalhando como funcionava o esquema de roubo de cargas e revelando planos de fuga que seriam colocados em prática no Complexo da Papuda. Ananias tinha vários desafetos na cadeia e dias antes do motim havia brigado com detentos de outros pavilhões por dívidas de drogas. Até uma lista com os nomes dos devedores e os valores devidos foi encontrada em seu poder.
Seis detentos do pavilhão mataram Ananias com facas de fabricação artesanal, o que deu início ao motim, já que os matadores foram levados para o Pavilhão B, onde já se encontravam outros apenados do grupo de Ananias, e no banho de sol na manhã seguinte renderam os carcereiros de serviço. O total dos revoltados chegou a cerca de 60 detentos, que quebraram os cadeados e instalaram o caos. A rebelião estava armada!
Segundo informações publicadas em outros veículos sobre o motim os seis presos que mataram Ananias estavam entre os 15 mantidos na cela 2 do pavilhão B. Outros presos que teriam rixas também foram levados para lá e trancados.
“Os corpos dos 11 detentos foram encontrados amontoados na área destinada à latrina. Dos seis presos que participaram da morte de Ananias, cinco foram mortos – o outro, Fernando da Silva Pena – conseguiu escapar ileso”, informa a reportagem da época dos fatos.
Superpopulação é problema antigo
A superpopulação dos presídios brasileiro é um problema antigo e, parece, de solução distante. Além dos presos já condenados que se amontoam nas celas, há também os Núcleos de Custódia que apresentam população maior do que a capacidade.
Segundo o que foi apurado durante o motim da Papuda, no ano 2000 o Núcleo de Custódia tinha 42% a mais de detentos do que sua capacidade e as celas destinadas aos presos já condenados tinham mais que o dobro, ou seja, 112% mais presos do que o que seria considerado normal.
Dados atuais divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), após o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2019, revelam que o Brasil tem 758.676 presos, incluindo os custodiados apenas em unidades prisionais, sem contar aqueles que aguardam audiência de custódia nas delegacias.
No Distrito Federal, o sistema carcerário tem 7.398 vagas e 16.707 apenados. Cada cela, que foi projetada para abrigar 10 internos, no máximo, hoje está sendo ocupada por mais de 30.
O levantamento traz informações de todas as unidades prisionais brasileiras, incluindo dados de infraestrutura, recursos humanos, vagas, gestão, assistências, população prisional, perfil dos presos, entre outros.
Considerando presos em estabelecimentos penais e presos detidos em outras carceragens, o Infopen 2019 aponta que o Brasil possui uma população prisional de 773.151 pessoas privadas de liberdade em todos os regimes. Caso sejam analisados presos custodiados apenas em unidades prisionais, sem contar delegacias, o país detém 758.676 presos.
Os dados foram divulgados pelo governo federal em fevereiro deste ano e estão disponíveis no site do Depen (www.depen.gov.br).