No dia 19 de agosto de 2004, às 20h49 começava a maior chacina contra a população em situação de rua da cidade de São Paulo. O episódio que ficou marcado como o “Massacre da Sé” matou sete pessoas e deixou seis com sequelas irreversíveis, mas até hoje está sem solução e indenização para as famílias.
Há 16 anos, na rua da Praça da Sé, região central da capital paulista, dez pessoas em situação de rua foram atacadas com golpes certeiros na cabeça enquanto dormiam, cinco policiais militares e um segurança particular tentavam se livrar das testemunhas dos seus envolvimentos com o tráfico de drogas nas imediações. Dois acusados foram sentenciados pelo assassinato de apenas duas vítimas.
Na época, a promotoria teve dificuldade de levar o caso adiante, já que a única testemunha da chacina também foi assassinada dois dias depois. Apesar de o caso seguir impune a população de rua e os movimentos sociais ainda lutam por justiça e pelo fim da violência cometida por agentes do Estado. Em homenagem às vítimas do massacre, dia 19 de agosto é dia Nacional da População de Rua.
O ataque ocorreu entre os dias 19 e 22 de agosto e começou com o assassinato de Jonas dos Santos Soares, Igor Silva Oliveira, Rodrigo Lima da Silva, Eduardo Oliveira dos Santos, Fernando Luiz de Paula, Thiago Marcos Danas, Leandro Pereira Assunção, Antônio Neves Neto, Tiago Teixeira de Souza, Adalberto Brito da Costa e Manoel dos Santos. Todos deram entrada no Hospital São Paulo com o mesmo tipo de ferimento. O Padre Julio Lancellotti, liderança nacional em defesa da população de rua, atuou junto às famílias e movimentos sociais na época e afirma que as cenas eram desesperadoras.
“Começaram a chegar várias pessoas na emergência do hospital, todas com o mesmo ferimento e com alta complexidade neurológica. Mas eles não tinham equipe neurológica suficiente para atender todos os casos. E foi causando uma espécie de pânico: como que foi chegando tanta gente com o mesmo quadro?”, lembra o padre. Além dos sete mortos, outras seis pessoas foram vítimas dos golpes e sobreviveram, mas com sequelas irreversíveis.
Cerca de uma hora e meia depois da entrada das primeiras vítimas começou a segunda leva de feridos: Letícia Vieira Hilerand, Deividson Ferreira, Wiker Osório, Jailton Silva, Joseval Silva e mais dois homens não identificados. Segundo as investigações da época, as violências ocorreram porque as vítimas sabiam demais. Confirmando esta hipóteses, Lancelloti lembra a morte da única testemunha da chacina depois de dois dias, o que levou à dificuldade de geração de provas e resultou em inquérito sobre apenas dois soldados e indiciamento pelo assassinato de duas vítimas.
Sem resposta pelos assassinatos, a população de rua investiga o caso por conta própria e levou as denúncias para outros fóruns e organizações no Brasil e no mundo. Dia 19 de agosto já se tornou uma data tradicional de mobilização pró direitos da população vulnerável e de denúncias a violência do Estado.
Além de buscar justiça, a população de rua também se esforça para provar que não é criminosa: “Tentam nos silenciar de várias formas, nos chamar de bandidos e drogados é a principal forma” diz Patrícia Santos, moradora em situação de rua. Segundo Patrícia, essa população é alvo frequente de violações que vão do abuso de autoridade e prisões indevidas a tentativas de homicídio e espancamentos. A moradora ainda explica que o processo de sociabilização e reinserção quase não existe porque “não há abrigos, ou programas que garantam a higiene, geração de renda e autonomia; só há repressão por todo o Brasil”, afirma Patricia.
O movimento de população em situação de rua e movimentos de direitos humanos encorajam a luta e organização de vários grupos, protagonizados pelas populações vítimas do Estado, reunindo famílias e defensores do direitos humanos pelo mundo inteiro.
As famílias das vítimas do “Massacre da Sé” denunciam o descaso, cobram respostas e comemoram cada pequena conquista.