“Tem que comer muito arroz com feijão pra chegar no topo”. Vixe… Se depender da alta do dólar o topo está ficando cada vez mais distante. No início do mês de setembro o consumidor brasileiro se assustou ao chegar no mercado e ver o preço dos alimentos básicos. De acordo com o Índice de Preço ao Consumidor (IPC), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o preço do arroz teve um aumento de 3,8% em relação ao mês de agosto. Outros produtos como o óleo e o leite, por exemplo, subiram mais de 24% de janeiro até agosto deste ano. A economista Lana Coelho da Silva*, afirma que esse aumento foi uma causa de três fatores: dólar alto, o período entressafras de alguns produtos e o aumento do consumo das famílias.
“Com o aumento do dólar o custo de produção aumenta, assim como o do combustível necessário para os caminhões que transportam o alimento. Outro fator do dólar alto é que fica mais vantajoso para o produtor nacional vender seu produto para outros países do que manter no mercado interno, com isso, as empresas brasileiras precisam pagar mais para abastecer o mercado do país. O período entressafras é quando há uma queda na produção por conta de alguns problemas, muitas vezes climáticos. O arroz o problema foi mais complexo, pois os produtores diminuíram a área plantada chegando a 30% desde 2012, para produzir insumos que geram mais lucros, como a soja. O maior problema foi que junto a essa diminuição na produção, foi que a demanda mundial pelo produto aumentou nesse período de pandemia. O que faz chegar no terceiro fator, que foi o aumento de consumo das famílias que correram para encher as despensas”, explicou Lana.
Segundo a economista há ainda um outro fator que pode ser atrelado a esses três principais, que é o auxílio emergencial. “Segundo estudos da FGV, a renda média de uma trabalhador sem escolaridade subiu 156%, o saque do FGTS também aumentou o dinheiro em circulação, com mais dinheiro na mão, é normal que o consumo por alimento aumente, aliás, esse foi o objetivo do auxílio que é fazer com que as famílias de baixa renda consigam manter o básico dentro de suas casas. Foi a junção desses três fatores que ocasionou o aumento dos produtos da cesta básica, e infelizmente os mais atingidos são os que consomem quase toda sua renda com esses produtos”, afirmou.
Também no início do mês de setembro, o brasileiro levou outro susto: o anúncio de que o auxílio emergencial seria reduzido pela metade. Gerenciar a queda do auxílio com o aumento do preço dos alimentos é uma tarefa considerada difícil, ainda mais quando sobrevive apenas com o básico. “O Estado tenta o tempo todo dizer que a população de baixa renda vive somente para comer, que 300 reais tá ótimo para comprar uma cesta básica, mas e os outros gastos? Como faz para pagar tudo com essa quantia tão baixa? O desemprego está alto e cada vez mais as pessoas estão dependendo dos programas sociais para sobreviver, mas esses programas estão a cada dia diminuindo”, afirma Lana. Porém a depender do momento e do auxílio escasso a economista dá a dica de que sejam priorizados os “gastos de sobrevivência” como: comida, aluguel e luz.
Quem mais sofre com a queda do auxílio e aumento no preço dos alimentos?
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílio Contínua (Pnadc) divulgada pelo IBGE, a taxa de desemprego da população preta no Brasil, no segundo trimestre deste ano, foi 71,2% maior do que dos brancos. Moradora do Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, Simone Lauar faz parte dessa triste porcentagem. Ela diz que com a pandemia perdeu todo o investimento que realizou durante dois anos fazendo quentinhas veganas e vendendo para empresas. “Eu ralei muito para abrir minha microempresa e perdi em um estalar de dedos. Confesso que estou meio doente por isso, porque sonhei muito em ser autônoma, pois já fui muito humilhada em casa de rico. E agora, não tenho mais nada e provavelmente vou ter que procurar emprego, mas, ta tão difícil”, desabafou.
Segundo Lana, a população negra (pretos e pardos) é a que mais sofre com esse aumento no alimento e queda no auxílio emergencial. “A desigualdade econômica no país é grande, mas a racial supera. A maioria que precisará dos auxílios sociais é a mesma maioria que irá ser prejudicada com alta dos alimentos”, disse. Simone fala que nem quer pensar ainda no aumento do preço dos alimentos pois ainda está digerindo a redução do auxílio emergencial.”Moram eu, minha irmã, minha sobrinha de 30 anos e meu sobrinho de 7 anos. Minha irmã recebe o auxilio, pois ela é a chefe da familia. Eu perdi tudo com a pandemia e minha sobrinha esta sem trabalhar porque está grávida. Eu nem quero pensar agora, senão vou pirar”, disse.
Em um momento de crise, a desigualdade racial e social ficam ainda mais vigentes quando a população negra, periférica e favelada não têm a opção de ficar em casa, pois precisam ter algum tipo de “ganha pão”. Emprego e educação estão diretamente ligados, segundo a pesquisa, “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, feita pelo IBGE, o país tem 1,14 milhão de estudantes autodeclarados pretos ou pardos, mas os brancos ocupam 1,05 milhão de vagas. “Os negros são excluídos de uma educação de qualidade e por consequência dos melhores cargos nos empregos, e mesmo quando alcançamos as melhores Universidades, temos dificuldade de nos manter por conta das nossas famílias que precisam que todos da casa contribuam com a renda para o sustento”, afirma Lana. A economista fala ainda que para que essa situação mude é necessário que se dê acesso e condições para estudantes negros se manterem nas grandes universidades “para que futuramente possamos conquistar grandes cargos”.
Segundo Lana, mesmo com tanta desigualdade é possível fazer uma economia nacional forte sem ser sustentada pela miséria de sua população. “Primeiro devemos tirar essa ideia de que crescimento é somente o aumento do PIB – Produto Interno Bruto, que é o que o país produziu de bens no ano. Precisamos entender que distribuição de renda, educação de qualidade para todos, uma industrialização nacional sólida e uma reforma no sistema tributário de forma que ele quebre essa estrutura de acumulação de capital, que vem acompanhando o Brasil nessas últimas duas reformas tributárias que o país passou, é o que fará o país se desenvolver na base”, completou.
*Lana Coelho da Silva é formada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É economista do projeto AMBIAFRO, que tem o intuito de discutir como a economia se relaciona com o meio ambiente e faz parte da equipe Nath Finanças.
Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.