Crise econômica gerada pela pandemia faz ex-moradores voltarem para a favela

Crise traz de volta à Favela do Jacarezinho, moradores que tinham conquistado casa fora - Foto: Bruno Itan / Olhar Complexo

O relógio marcava 9h quando Sarah de Jesus se despedia dos pais e seguia com seus “quitutes” rumo a uma faculdade, em Higienópolis, na zona norte do Rio de Janeiro. A jovem de 22 anos, no entanto, nem chegava a entrar na instituição de ensino. Seu interesse estava do lado de fora, aproveitando o movimento de entrada e saída dos alunos. “Eu conseguia fazer os meus doces e vender na esquina da faculdade. Lá tinha um grande movimento de alunos e funcionários, e ainda fazia alguns clientes no meio do caminho. Não era muito dinheiro, mas eu conseguia ajudar na renda da família”, lembra.

O passado recente que Sarah descreve foi abruptamente quebrado pela pandemia do novo coronavírus. Há pouco mais de seis meses, a jovem viu sua rotina ser transformada pelas consequências das medidas de segurança contra a Covid-19. Uma das principais mudanças foi a decisão de retornar para a casa onde morou anos atrás, na favela do Jacarezinho, também na zona norte carioca.

“Em março, pouco antes da pandemia ser decretada, eu fiz uma grande remessa de doces, mas aí veio a pandemia, as escolas do entorno fecharam, a faculdade fechou, o movimento caiu, não passava mais ninguém por aqui. Eu não consegui vender pela internet e todos os doces estragaram. Perdi dinheiro e ainda fiquei sem renda nenhuma”, lamenta.

Sarah de Jesus vende doces, biscoitos e artesanatos na porta de casa, no Jacarezinho . Foto: Arquivo Pessoal

A decisão de retornar à favela leva em consideração as despesas, a renda, as compras e, claro, a crise. E o momento, segundo o pesquisador e professor de economia da FGV/Ebape, Istvan Kasznar, pede cautela. “Para essas famílias, que auferem entre um e dois salários mínimos, ou até menos, o impacto da crise é muito significativo. Há a necessidade de criar e gerar orçamentos cuidadosamente, necessidade de pensar no que gastar, quanto gastar e quando gastar para que ninguém estoure suas contas. Isso porque a economia está retomando com muita lentidão, e assim permanecerá”, explica.

Assim como a Sarah, muitas outras pessoas estão adiando o sonho de morar fora da comunidade devido à pandemia. Experiência vivida também por Cássio Machado, de 35 anos. O empresário autônomo saiu da casa em que morava, em Honório Gurgel, ainda no início da pandemia, após contrair Covid-19. “Eu trabalhava por conta própria, consertando ar-condicionado. Vim pra casa da minha mãe porque diminuiu muito a procura de clientes. Na verdade, não aparecia nenhum trabalho, e eu ainda peguei a Covid e fiquei muito debilitado. Daí eu fui ficando e estou aqui até hoje”, lembra.

Cássio voltou a morar na sua antiga casa, também na favela do Jacarezinho, enquanto se recuperava da Covid-19 e, também, da crise. Apesar dos meses que passou nesta situação, o empresário não desistiu de lutar pelo sonho de morar fora da favela. “Com as empresas voltando a funcionar, já começaram a surgir algumas oportunidades de clientes, e eu já estou me programando pra me mudar e sair de novo daqui”, diz.

Apesar dos planejamentos positivos de Cássio, as expectativas de futuro do professor Istvan ainda não são animadoras. “Podemos esperar uma fase de redução mantida dos preços. Devemos ter muita cautela, o mundo dos negócios está lento, o desemprego permanece elevado. E o Brasil só verá a luz no fim do túnel quando a vacina vier. E quando virá?, indaga o pesquisador.

Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.

Leia mais: Empreendedores da favela usam as redes sociais para driblar a crise