Falta de transporte e medo de contrair Covid-19 fazemmulheres gastarem mais em mobilidade. Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
Falta de transporte e medo de contrair Covid-19 fazem mulheres gastarem mais em mobilidade. Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
Falta de transporte e medo de contrair Covid-19 fazemmulheres gastarem mais em mobilidade. Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
Falta de transporte e medo de contaminação dificultam a mobilidade das mulheres – Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

O vale-transporte no Brasil é um benefício assegurado há mais de 30 anos para que o empregado formal realize o trajeto de sua casa até trabalho, mas o valor em crédito não é suficiente quando há falta de transporte público para realizar a viagem. Essa foi a questão enfrentada pela técnica de enfermagem, Juliana Silveira, de 29 anos, durante a pandemia do novo coronavírus. A jovem, que mora em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, e trabalha na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, pegava dois ônibus para realizar o trajeto, mas viu dobrar o número de conduções no início da pandemia.

“Os transportes até estavam mais vazios e quase não tinha ninguém na rua, mas, apesar disso, tive um impacto negativo, porque precisei pegar quatro conduções para conseguir chegar ao trabalho, duas a mais do que o habitual até as estações do BRT, a maioria estava fechada. Eu tinha que descer em outra estação e ir andando até o próximo ponto”, relata.

Deterioração do transporte público

Juliana é uma das 75,6% das pessoas que viajaram em algum transporte público da América Latina durante a pandemia e apontaram a deterioração do serviço, segundo uma pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) junto com o Moovit, aplicativo de mobilidade urbana. O levantamento foi realizado nas cidades de Bogotá, Buenos Aires, Cidade do México, Guadalajara, Guayaquil, Montevidéu, Rio de Janeiro, Santiago e São Paulo, com cerca de 33 mil pessoas, entre os dias 24 e 28 de abril.

Juliana Silveira passou a gastar mais com transporte para chegar ao trabalho durante a pandemia - Foto: Arquivo pessoal
Juliana Silveira passou a gastar mais com transporte para chegar ao trabalho durante a pandemia – Foto: Arquivo pessoal

O relatório apontou que 54,2% dos usuários de ônibus disseram que os coletivos estavam menos frequentes e 6% afirmaram que não encontraram nenhum serviço operando em sua rota habitual.

Todas essas consequências também foram sentidas por Juliana, principalmente, a partir de 21 de março até o início do mês de junho, quando o então governador Wilson Witzel decretou o isolamento da cidade do Rio de Janeiro das demais regiões do estado. Na ocasião, ônibus intermunicipais, barcas e alguns trechos de trens e metrô não podiam operar.

As medidas para conter o avanço da Covid-19 geraram problemas, sobretudo, para a população mais pobre. Segundo o professor e pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV), Istvan Kznar, o transporte é o segundo maior gasto no orçamento de famílias de baixa renda e a falta de transporte público gerou grande impacto nessa camada da população. “Famílias de renda baixa, segundo a ‘Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2018’, tendem a consumir 45% de sua renda total em bens alimentares, seguido do transporte. Então, desse ponto de vista, o impacto [da pandemia] é monumental”, afirma o pesquisador.

A falta de transporte público durante a pandemia fez a técnica de enfermagem Juliana gastar R$ 200 a mais do orçamento mensal com as viagens de ida e volta ao trabalho. “Os ônibus não estavam passando e o trem não estava parando na estação de Agostinho Porto, do ramal Belford Roxo, da SuperVia. Eu cheguei a pegar transporte por aplicativo e achei muito melhor, devido à segurança, comodidade e rapidez. Se coubesse no meu orçamento mensal, eu iria preferir só pegar carro de app”, conta.

Insegurança sanitária em coletivos

A viagem de carro em detrimento a de transporte coletivo, no entanto, não significa conforto para todas as pessoas. A cuidadora Sara Costa, de 25 anos, levava duas horas no trajeto entre sua residência em Nilópolis, Baixada Fluminense, até o trabalho em Ipanema, zona sul do Rio. Durante a pandemia, seu pai pegou o carro emprestado de um tio para levá-la em segurança. O trajeto de uma hora, no entanto, se mostrou muito mais sofrido. Sara tem cinetose, um distúrbio do organismo que causa forte sensação de enjoo ou náusea quando se anda em carro, ônibus ou embarcações.

Segundo a cuidadora, as viagens de trem e metrô, apesar de mais longas, lhe oferecem um momento de descontração, enquanto as viagens de carro lhe trazem desconforto físico e psicológico por várias horas no dia.

“Eu tenho filho, marido, casa pra arrumar, animais pra cuidar, enfim, eu não consigo ter tempo pra fazer as coisas que eu gosto. No metrô, eu tinha tempo pra ler um livro, ver um filme, ouvir uma música sem meu filho interromper. Não que andar de trem e metrô lotado seja bom, mas há dias que preciso até tomar remédio para enjoo pra aguentar a viagem de carro e isso é muito ruim. Meu rendimento no dia cai bastante porque passo o tempo todo com sono”, explica a jovem.

As complicações que Sara tem enfrentado se justificam pelo medo de contrair a Covid-19 no transporte coletivo, assim como a maioria dos brasileiros, que temem pela doença. Segundo pesquisa realizada pela Agência Senado, 89% dos usuários de transporte público avaliam que há muito risco de contrair o coronavírus e a maioria delas têm mais medo de contrair o vírus no transporte do que em outros locais, como faculdades (83%), academias (78%), parques e praias (65%), e bancos (54%).

Brasileiro tem mais medo de contaminação no transporte coletivo que na academia. Crédito: DataSenado
Brasileiro tem mais medo de contaminação no transporte coletivo que em outros locais – Crédito: DataSenado

O medo de contaminação no trajeto para o trabalho foi exatamente o que pautou a diarista Gorete de Menezes, de 44 anos, moradora de Manguinhos, favela da zona norte do Rio. A empregada doméstica conta que prefere gastar com transporte por aplicativo ou até mototáxi para chegar ao trabalho em Ramos, também na zona norte, do que entrar num ônibus lotado.

“Meu trabalho não é muito longe, o valor de um carro por aplicativo, às vezes, não é tão diferente do ônibus. Eu vou sempre pro ponto mais cedo, pra esperar a condução. Se o ônibus passa vazio, eu pego, mas se vier cheio, eu chamo o carro porque no ônibus e na van têm sempre os engraçadinhos que não querem usar máscara e eu não sou nenhuma jovenzinha pra ficar correndo perigo de vida por aí”, conta a diarista em tom de brincadeira, mas assegurando que seu relato é 100% sério.

Segundo Gorete, a mobilidade por aplicativo custa cerca de R$2 a R$3 a mais que o ônibus, mas ela garante que vale o gasto de vez em quando. “Eu prefiro não gastar, mas quando preciso, dou com prazer. É minha saúde. Se eu entrar num ônibus lotado, pegar Covid e morrer, vou embora e esses R$2 ficam pra quem sobreviver à pandemia”, diz.