No último dia 05 de janeiro a chamada “Operação Choque de Ordem” completou um ano de sua implantação pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. O programa, carro-chefe da administração Eduardo Paes, traz em seu bojo a elitista bandeira de expurgo da desordem urbana, com um conjunto de medidas de maior severidade com o trânsito de veículos, remoção de moradias “irregulares”, repressão sistemática aos trabalhadores informais e remoção arbitrária de população de rua. O plano seria minuciosamente orquestrado pela logística de apartheid gestada pela recém-criada Secretaria de Ordem Pública, contando com a rápida duplicação da Guarda Municipal, agora ainda mais treinada para desferir choques.
Em relatório datado no dia 27 de dezembro, a Prefeitura divulgou o balanço dos “feitos” da dita operação durante seu ano inaugural. Os dados impressionam, são 743.559 multas e 25.570 veículos rebocados, durante as operações Choque de Ordem. Também durante o ano, a Secretaria demoliu 1.167 unidades construídas, entre elas, 60 prédios, 28 casas e 248 barracas de comércio informal. Com relação à apreensão de produtos piratas, houve um aumento de 546% no volume de material recolhido, em comparação com o ano de 2008. Ou seja, foram apreendidas mais de 357 mil mídias, enquanto que no ano passado as apreensões ficaram em torno de 65 mil mídias.
O esforço hercúleo da operação busca em última instância transfigurar a cidade, que historicamente convive com o mercado informal. A informalidade é parte da identidade da cidade, fruto de um Estado corrupto, elitista e ineficaz. Assistimos à ânsia de aprofundar o modelo que aposta na segregação social ao invés da inclusão, de incremento da política criminal repressiva ao invés de políticas públicas de cidadania, como saúde, educação, trabalho e moradia. É o total desprezo pela concepção de cidade democrática para a satisfação de interesses mercadológicos.
A vinda de grandes eventos de renome internacional como a Copa do Mundo e as Olimpíadas voltam a atenção do capital transnacional para o Rio de Janeiro. A empreitada frenética ambiciona maquiar a cidade para os olhos dos turistas, “jogar a sujeira para debaixo do tapete”. Expulsar os “sobrantes” da sociedade de consumo para os guetos mais distantes do centro e dos bairros nobres, entulhá-los nos presídios e unidades de internação de crianças e adolescentes (os verdadeiros projetos habitacionais para a pobreza na atualidade), e recolhe-los forçadamente nos abrigos precários. Longe de uma cidade para tod@s, a ordem é de impor uma cidade para poucos. Até quando ficaremos em estado de choque diante do florescimento do fascismo social na “Cidade Maravilhosa”?
JOÃO TANCREDO (Presidente do Instituto de Defensores de Direitos Humanos)