Durante o isolamento social, a disparidade entre homens e mulheres tornou-se ainda mais notável. O que para uns virou sinônimo de tempo livre, para outras, sobrecarga. Trabalhar de casa ou estar desempregado deu ao homem o privilégio de ter mais tempo livre. Em algumas áreas, observa-se até o aumento de produtividade masculina, como no meio acadêmico. A submissão de artigos por pesquisadores e cientistas, por exemplo, aumentou 50%.
Isso ocorre em consequência do sistema machista que distribui desigualmente os afazeres domésticos e o papel da criação dos filhos. Uma boa amostra disso é que, quando um homem faz tarefas domésticas, é considerado uma ajuda à mulher e não uma divisão justa das obrigações entre as pessoas que dividem uma casa.
Outra ilustração do machismo na sociedade brasileira é a diferença de tempo entre a licença maternidade e paternidade. Quando um casal tem filhos, é dado ao homem apenas cinco dias de folga. A ideia é que o pai esteja presente na primeira semana de vida do filho para lidar com questões como, por exemplo, registrar a criança. Mas essa limitação no tempo demonstra que não seria dever do homem cuidar da criança nos seus primeiros meses de vida, apenas da mulher.
É certo que essa situação não diz respeito a todas as famílias brasileiras. Neste tempo de pandemia, inclusive, muitos homens estão sendo afetados pela crise e sofrem com o desemprego e em não poder levar o sustento para casa. Mas, de uma forma geral, vivemos em uma sociedade em que é comum ver a configuração familiar de homens descansando, aproveitando mais o seu tempo, enquanto mulheres estão se desdobrando para cuidar da casa e dos filhos que agora necessitam de mais atenção e auxílio com as aulas remotas.
Uma cartilha lançada pela ONU Mulheres em abril deste ano procura refletir sobre os impactos da pandemia na vida das mulheres. Com o nome “Gênero e Covid-19 na América Latina: dimensões de gênero na resposta”, o material tem o objetivo de alertar as autoridades sobre esses impactos e garantir soluções. A sobrecarga do trabalho não remunerado também é citado na cartilha que recomenda que sejam promovidas medidas que permitam reconhecer, reduzir e redistribuir esse trabalho.
Um agravamento da sobrecarga das mulheres é o cuidado estendido aos pais e mães que, por serem idosos, ocupam o grupo de risco. Quando eles ou outros parentes próximos adoecem de Covid-19, a responsabilidade de atenção é dada às mulheres da família. A cobrança e a sobrecarga prejudica a saúde mental e física dessas mulheres. É preciso que os homens estejam atentos a essas questões para que a saúde das mulheres não seja prejudicada e elas possam encontrar tempo para cuidar de si mesmas.
Matéria originalmente publicada no jornal A Voz da Favela de outubro.