Casos como o de Mariana Ferrer, blogueira humilhada pelo advogado de defesa de André de Camargo Aranha, acusado de ter estuprado a jovem, trouxe à tona a reflexão sobre um tipo de situação comum, mas pouco abordada: a violência institucional. Segundo Flávia Nascimento, defensora pública no Rio de Janeiro, a violência institucional é aquela praticada pelas instituições públicas, normalmente por agentes que tem o dever de resguardar e garantir os direitos da sociedade.
Os casos mais comuns de violência institucional, que chegam até a Defensoria Pública do Rio, são os praticados em favelas pela abordagem policial, violência obstétrica nas instituições de saúde e as situações de constrangimento de vítimas de violência sexual no sistema de justiça. “Este tipo de violência está fundamentada em uma discriminação estrutural, sobretudo na questão de gênero, raça e classe social”, afirma a defensora.
De acordo com Flávia, a Defensoria do Rio de Janeiro fez uma pesquisa com perfil das pessoas que passam por audiência de custódia. Nela, foi mostrado que pessoas negras presas em flagrante por um mesmo crime cometido por uma pessoa branca, tem muito mais chances de permanecer respondendo processo encarcerado. A defensora observa, ainda, que quando é uma mulher negra, a discriminação é muito maior.
Segundo análise feita pelo Instituto Patrícia Galvão sobre os dados do Dossiê Mulher de 2019, a maioria das vítimas de quase todos os tipos de violência abordadas no documento são pretas e pardas. Principalmente em formas mais graves como homicídio doloso (59,1%), tentativa de homicídio (55,0%) e estupro (55,8%).
Com relação a violência obstétrica, o estudo de 2017 “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil”, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirma que existem disparidades raciais no processo de atenção e cuidado de mulheres pretas e pardas em relação às brancas. Por exemplo, um pré-natal inadequado, peregrinação para o parto e menos anestesia local para episiotomia, corte feito entre a região do ânus e vagina para facilitar o parto, pelo mito de que mulheres negras sentem menos dor.
Flávia acredita que os protocolos para diminuição da violência obstétrica e as ferramentas de proteção à violência contra a mulher, como a Lei Maria da Penha, não dão conta de proteger todas as mulheres da mesma forma. “Essa questão pode estar relacionada a um recorte racial na aplicação da Lei”, comenta.
Apesar do cenário de retrocesso político em questões que envolvem a defesa dos diretos dos mais vulneráveis, Flávia visualiza uma maior discussão e implantação acerca do tema. “Aqui no Rio de Janeiro, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública vêm promovendo debates, juntamente com a Polícia Militar, para que haja avanços”, completa.
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