Por Carlos Bruce Batista
Em se tratando de funk, tudo fica pelo menos mais divertido. Seja num baile na favela ou numa festa na Delfim Moreira, o funk torna tudo mais divertido.
Alguns preferem os raps dos anos 90 com suas letras de caráter mais contestador, romântico, cômico, tudo na base do volt mix.
Outros preferem as montagens daquela mesma década – que misturavam canções infantis ou hinos de clube de futebol com a mais furiosa das batidas.
Ainda tem aqueles mais nostálgicos, que gostam mesmo dos melodys cantados por Stevie B, Tony Garcia, Trinere e Korell.
Os bondes de mc’s – como o Bonde do Tigrão e o Bonde do Vinho – também marcaram uma geração com músicas mais sugestivas e sensuais.
As mulheres lideradas por Tati Quebra Barraco e Deize Tigrona fincaram sua bandeira no mundo funk carioca de forma tão importante na imposição do desejo feminino que a pesquisadora americana Kate Lyra passou a dividir as conquistas feministas em três fases: a luta pelo direito de voto (anos 1920), a luta pelos direitos trabalhistas (anos 1960) e a luta pelos direitos sexuais (anos 2000). Este último, segundo a pesquisadora, caracterizaria toda uma mudança na forma de firmar a mulher como ser sexual e sexuado.
O tamborzão, batida ritmicamente brasileira, marcada por tambores eletrônicos com som semelhante aos dos terreiros umbandistas, hipnotizou boa parte dos dj’s dando nova cara ao funk carioca.
Também serviu de base para os conhecidos e “temíveis” proibidões.
Surgido nas periferias cariocas no final dos anos 90 e início dos anos 2000, os proibidões ficaram conhecidos por retratarem de forma realista, como uma crônica popular ritmada, o dia a dia das favelas e de alguns de seus personagens.
De acordo com Mister Catra*, os raps cantados nos palcos da Zona Sul – que narravam histórias aceitáveis – mudaram de enredo quando recomeçaram as proibições dos bailes funk.
Ainda segundo Catra, “a favela cantava para a sociedade, cantava o amor, a beleza das favelas, quando proibiram isso a favela começou a cantar para nós mesmos, então a favela começou a cantar para a favela e a favela cantando para a favela fala de tráfico”.
Gravados ao vivo nas próprias comunidades em que eram cantados, os proibidões, diferentemente dos raps aceitos e gravados em estúdios, eram produzidos de forma amadora e comercializados por ambulantes ou baixados pela classe média carioca.
Dessa forma o proibidão se tornou um fenômeno de procura e os mc’s que os cantavam indiciados e procurados pela polícia.
Como se estivéssemos vivendo em um Estado de Exceção não autorizado, os principais mc’s do país foram indiciados pelo crime de apologia ao tráfico de drogas, cuja pena, de acordo com a antiga lei de drogas, era de 3 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão.
A liberdade de expressão artística, instrumento transcendente para o intercâmbio livre de informações, amplamente amparada pelo artigo 5º, inciso IX da Constituição Federal, nas vozes dos rimadores favelados se tornou crime, alvo de censura e perseguição.
O direito de expressar-se artisticamente – sendo um dos direitos fundamentais mais importantes do Estado Democrático de Direito –mostrou-se vulnerável ao entendimento político vigente na estabelecida guerra, desta vez ao comércio de drogas ilícitas.
O perigo da censura se expande também aos tais raps que cantam a “desconfortável” pornografia.
Como se o sexo fosse um assunto que não estivesse inserido no cotidiano das pessoas, não fosse intensamente explicitado em outras formas de manifestação artística ou que não fosse abordado por outros meios de comunicação.
Assim, o funk vem tocando seu combatido mas aguerrido percurso.
Podem se emocionar com os raps das antigas, se apaixonar com os melodys americanos, falar bem dos raps aceitáveis, repudiar os que cantam o sexo e até mesmo criminalizar os probidões, mas o fato é que o funk, embora determinadamente combatido nos setores conservadores, ainda vive pulsantemente em todos os cantos da cidade.
É verdade: em se tratando de funk tudo fica pelo menos mais divertido… ou não!
A todos os leitores do Jornal A Voz da Favela um Ano Novo harmonioso e livre de todas as formas de preconceito e discriminação.
E, claro, com muito funk.
*Catra, Mister. Entrevista à revista Discursos Sediciosos – Crime, Direito e Sociedade, nº 15/16, ed. Revan, Rio de Janeiro, 2007.
Gostaria de propor aos nossos leitores que nos escrevessem contando alguma história inesquecível acontecida em algum baile funk. Seja por ter sido marcada por algum encontro romântico, algum fato engraçado ou até mesmo algum clima tenso, o importante é que vocês relatem e dividam conosco seus momentos.
Nas próximas publicações do Jornal A Voz da Favela estaremos publicando alguns desses encontros, desencontros, momentos, cômicos, românticos, tensos, vividos por vocês!