Carolina Farias, no R7 no Rio
A
Prefeitura do Rio de Janeiro fere a lei orgânica do município ao
remover moradores e demolir residências sem apresentar um laudo técnico
que mostre que o imóvel está condenado. É o que alertam especialistas
ouvidos pela reportagem do R7.
O
artigo 429 da legislação determina que representantes da comunidade
onde ficam os imóveis interditados devem ter acesso a documento que
mostre que a residência precisa ser derrubada. No entanto, moradores do
morro dos Prazeres, em Santa Teresa, na região central da capital, e em
Acari, na zona norte, já receberam o auto de interdição, saíram de
casa, mas não tiveram acesso a laudo da Geo-Rio (Instituto de
Geotécnica do Município).
A Defensoria Pública do Estado e a
associação de moradores do morro tentam ajudar os desabrigados e exigem
da prefeitura os laudos. Já a subprefeitura do Centro diz que os
documentos foram mostrados para os defensores e representantes da
população da área. Em meio às acusações, ficam os moradores, com autos
de interdição nas mãos e sem informações sobre seus direitos.
Ao
menos 500 documentos de interdição foram distribuídos no Prazeres, onde
ao menos 30 pessoas morreram em decorrência de deslizamento na semana
passada. A prefeitura diz que mil famílias serão removidas, porque a
área está condenada. No entanto, muitos afirmam que nem todas as casas
correm risco de cair ou de serem atingidas por um deslizamento de terra.
A defensora
Maria Lúcia de Pontes, do núcleo de terras do órgão, diz que a
prefeitura teve, nesta semana, a oportunidade de mostrar os laudos em
reunião com a Defensoria e a associação, mas que, segundo ela, isso não
aconteceu.
– Os moradores questionam essa totalidade. Todo o
morro tem risco? Estamos pedindo os laudos diretamente para a
prefeitura. Houve uma reunião e nada foi apresentado. Eles [moradores]
não querem sair se não há risco. A Geo-Rio uma hora diz que tem laudo e
outra diz que está fazendo o estudo.
O
subprefeito do Centro, Thiago Barcellos, afirma que a associação e a
Defensoria viram os laudos. No entanto, ele diz que, na próxima
segunda-feira (19), técnicos da Secretaria Municipal de Educação
começarão uma análise de todos os imóveis que serão demolidos. O
objetivo é avaliar as moradias para, possivelmente, indenizar os
proprietários. Por enquanto, os moradores vão receber o benefício do
Aluguel Social no valor de R$ 400.
– Até agora [sexta-feira (16)], derrubamos duas casas e, hoje, será derrubada mais uma.
A casa
alvo de demolição nesta sexta-feira era de José de Almeida da Silva,
vigilante que mora na comunidade há 30 anos. Ele comprou o imóvel, na
rua Gomes Lopes, e o transformou em duas casas, para ele e a filha. As
duas casas foram reformadas, com pisos e azulejos novos. Até mesmo um
muro de contenção foi feito no quintal.
O
barranco que deslizou no último dia 6 não atingiu a casa de Silva, que
saiu sem qualquer rachadura. Mesmo assim, sem ver laudo ou falar com
engenheiro, ouviu nesta sexta do subprefeito que sua casa seria
demolida. A destruição do imóvel não aconteceu porque a presidente da
associação dos moradores, Eliza Rosa Brandão da Silva, questionou o
subprefeito.
– Porque tenho duas casas o Thiago [subprefeito] me
chamou de "espertinho", dizendo que eu não ia receber indenização ou
Bolsa Aluguel por dois imóveis. Não sei o que vai acontecer, mas eles
não podem chegar e demolir assim.
Sem
acompanhamento de assistente social, o subprefeito disse nesta
sexta-feira ao casal Vera Lúcia Delfim Lemos e Jorge Pereira Lemos que
tirasse tudo do imóvel que a casa seria derrubada. A moradia foi
atingida pelo barranco, que destruiu a cozinha e o banheiro e ainda
soterrou o neto deles, de oito anos, que escapou com um arranhão no
rosto e um ferimento na perna.
É
o terceiro imóvel deles atingido por um deslizamento na região. Porém,
nunca foram indenizados – uma ação corre na Justiça há mais de dez
anos. Eles não querem o Aluguel Social; pedem o valor da casa em
dinheiro para irem embora do Rio.
– Compramos pedra para fazer a
reforma e estávamos aumentando a construção. Eu quero que avaliem antes
de "meter o martelo". Estamos morando em uma escola e me ofereceram o
aluguel. Depois, um apartamento. Quero ser indenizada e ir embora daqui.
Nem por decreto
Para
o presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), Rafael Mitchell, a lei orgânica do município não
pode ser desrespeitada nem mesmo com um decreto, como fez o prefeito
Eduardo Paes (PMDB) para determinar a retirada dos moradores do morro
dos Prazeres.
– A lei prevê que se apresente uma
proposta de reassentamento e isso [aluguel] não é uma proposta. É
preciso um pacote completo sobre a área e também um estudo sobre as
pessoas, se elas têm direitos ou não. Se elas pagam IPTU [Imposto
Predial e Territorial Urbano], por exemplo, tem de ser avaliado.
O
serventuário da Justiça Francisco Polito nasceu no morro dos Prazeres.
O prédio onde vive, que foi construído por seu pai, é composto de duas
residências, uma ocupada por ele e sua família e outra pela filha e o
marido. O imóvel fica ao lado do último deslizamento. O prédio
permanece intacto visualmente, sem rachaduras ou mesmo janelas
trincadas. Ele recebeu o ato de interdição provisória e, até agora,
ouviu somente dos vizinhos que o imóvel será derrubado. Nenhum órgão da
prefeitura o procurou.
– Já perdi duas mulheres e acho que não sofri tanto como vou sofrer se tiver de ver meu castelo cair.
O mesmo ocorre em Acari, conforme relataram moradores ao R7.
A dona de casa Patrícia Augusta da Silva, mãe de quatro filhos, recebeu
nesta sexta-feira o cheque do Aluguel Social dado pela prefeitura, mas
diz desconhecer documento que comprove a necessidade de remoção.
– Não recebi laudo da prefeitura dizendo porque eu tenho que sair.