Eu considero que esta é a primeira linha que publico como colunista da ANF. E como dizem que a primeira vez a gente nunca esquece, quero registrar na minha memória a primeira vez que lhes agradeço a atenção e espaço. Inicio, lhes convidando a embarcar comigo no tempo para o momento de umas das primeiras lembranças, quando me senti tocado pelas mãos dos heróis do cotidiano.
Não imaginava que aos oito anos de idade, quando assisti pela primeira vez, no largo do bairro onde morava, uma apresentação de um grupo de maculelê, ficaria profundamente encantado. As músicas eram tão íntimas à minha vida, em letras e ritmo, que o meu corpo dançava involuntariamente, se reconhecendo.
Aquela noite foi realmente inesquecível. Minha memória assimilou facilmente o que era o maculelê e o quão era importante para mim. Não apenas porque os performistas tinham os rostos conhecidos da minha vizinhança, mas principalmente porque o espetáculo apresentava vários elementos que eu já conhecia, permitindo-me enxergar, me divertindo como eles.
Se encontrasse qualquer pedaço de pau pela rua, guardava ansioso para ter a sorte de logo encontrar outro e com dois bastões mal arranjados, saía por vários lugares, seja indo à padaria ou pelos becos, vindo da escola, encenando o que havia percebido daquela manifestação cultural.
Dentro da minha cabeça, que fantasiava o mundo, se desenrolava uma magnífica exibição de maculelê. Eu sei, aqueles que não estavam acompanhando toda aquela narrativa que acontecia apenas nos palcos dos meus pensamentos, via apenas um menino que pulava marcando firmemente os pés no chão, batendo dois pedaços de pau como numa luta invisível dele contra ele mesmo.
Não foi um privilégio exclusivo meu ser uma criança criativa que encenava um mundo figurado pela própria mente. Meus amigos também o faziam, porém suas encarnações tinham origens nas indústrias japonesas ou americanas de heróis que os alcançavam dentro das suas casas através dos sinais das antenas de televisão.
Percebi que, aos poucos, quase todos os meus amigos aumentaram os repertórios em suas representações. Cada vez mais eles absorviam e naturalizavam os comportamentos dos seus personagens favoritos.
Acredite, tive muitos amigos que tiravam seus poderes das constelações, outros que eram mutantes com garras ultra afiadas. Porém, nenhum deles possuía uma semelhança sequer com seus personagens preferidos. Nem em nome, nem em estereótipo.
Mas, para eles, nada disso importava. Acima de tudo, Não precisavam provar a grandeza do seu personagem porque todos os dias os assistiam em seus programas na televisão. Aliás, com o passar do tempo seus heróis ganharam mais visibilidade, se transformaram num grande mercado de acessórios como quadrinhos, bonecos, livros, filmes, jogos de videogame, em toda espécie de mídia havia um produto que os representassem.
No entanto, mesmo o maculelê sendo a mais brasileira dentre as manifestações culturais, pois tem suas raízes fincadas sobre duas enormes macropotências culturais -diversas etnias africanas e numerosos grupos étnicos das primeiras nações – não tive oportunidade de consumir um produto genuinamente brasileiro em forma de entretenimento, como faziam com as franquias estrangeiras.
Felizmente os ídolos que foram cultivados em mim não eram produtos de um imaginário fantasioso. Eram pessoas reais que estavam ao meu alcance. Heróis do cotidiano que, encenando cultura, me ensinavam sobre nossas histórias e despertavam em crianças como eu o desejo de contá-las.
Assista ao vídeo, publicado em 22/07/2015, da performance do grupo Real Maculelê, dos mestres da Bahia, hospedados no Canal da Abba Capoeira. Mestre Robson”Negão de Jesus. Mestre Branca,(Capoeira Revelação) Mestre Lazaro (Brazilian Pelourinho da Topazio), Mestre Cadinho (Topazio Capoeira) Professor Rasta (Topazio/ America Top Team) Mestre Caboquinho de Aruanda, Professor Alemão , Mestre Guliver