Por Jacqueline Silva e Wellington Melo
Trabalhadores que realizam a maior festa popular do país enfrentam dificuldades diante de um cenário de incertezas
Com a chegada da pandemia da Covid-19 ao Brasil em março de 2020, as atividades das escolas de samba foram interrompidas. Muitos trabalhadores da indústria do carnaval se viram sem fonte de renda da noite pro dia.
Adiamentos e novas datas foram anunciadas para a folia, mas não teve jeito: diante do agravamento da pandemia, o carnaval de 2021 foi suspenso ou cancelado nas principais cidades do país.
No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes anunciou, no dia 21 de janeiro, que não haverá carnaval em julho, como havia sido cogitado antes. “Nunca escondi minha paixão pelo carnaval e a visão clara que tenho da importância econômica dessa manifestação cultural para nossa cidade. No entanto, me parece sem qualquer sentido imaginar a essa altura que teremos condições de realizar o carnaval em julho”.
Segundo Paes, depois que todos forem vacinados, a festa deve voltar em 2022. “Essa celebração exige uma grande preparação por parte dos órgãos públicos e das agremiações e instituições ligadas ao samba. Algo impossível de se fazer nesse momento. Certamente em 2022 poderemos (todos devidamente vacinados) celebrar a vida e nossa cultura com toda a intensidade que merecemos”, completou.
As escolas de samba do Rio, que já vinham passando por dificuldades financeiras por conta da redução da verba da prefeitura na gestão de Marcelo Crivella, sofreram um tremendo baque com as medidas sanitárias impostas pelo novo coronavírus. Em São Paulo não foi muito diferente.
A preparação para os desfiles e atividades geradoras de receita, como ensaios nas quadras e feijoadas, foram suspensas. Com tudo fechado entre março e agosto do ano passado, as escolas entraram em crise.
O presidente da Dragões da Real, que está no Grupo Especial de São Paulo, Renato Remondini, lembra que a verba é proveniente não só da prefeitura, como da Rede Globo, que paga pelo direito de transmissão dos desfiles, e da venda de ingressos. O restante vem de atividades promovidas por cada escola ao longo do ano.
Para driblar a crise, as agremiações tiveram que buscar outros meios de arrecadação, sobretudo, para ajudar os trabalhadores que dependem do carnaval para sobreviver.
Algumas criaram rifa solidária, outras programas de sócios. O carnavalesco Wagner Gonçalves, da escola carioca Estácio de Sá, decidiu promover a campanha Barracão Solidário, com o apoio de Edson Pereira (Unidos de Vila Isabel) e Leandro Vieira (Mangueira e Império Serrano), para auxiliar aderecistas, carpinteiros, ferreiros, pintores, costureiros, cenógrafos e vidraceiros.
Lançada em julho, a campanha teve como madrinha a apresentadora Sabrina Sato, integrante da Vila Isabel. Por meio de vaquinha on-line, leilões e lives com sambistas, carnavalescos, mestres-salas e porta-bandeiras, entre outras atividades, foram arrecadados mais de R$ 26 mil, valor que ajudou 350 famílias por mês.
As doações arrecadadas foram revertidas em cestas básicas, material de higiene, medicamentos e ajuda para o pagamento de contas de consumo essenciais dos trabalhadores dos barracões das escolas de samba cariocas.
Um dos beneficiados foi o comprador de suprimentos Paulo Diniz, ex-Acadêmicos do Salgueiro. Demitido após 21 anos trabalhando na escola, está há mais de três meses sem renda e depende de cestas básicas doadas pelo projeto.
O aderecista Anderson Fulgêncio, do Salgueiro, ficou quatro meses em casa de quarentena e sem fonte de renda, depois passou a viver do auxílio emergencial do governo federal e virou motorista de carro por aplicativo.
A costureira e aderecista Daniele Rocha Campanelli, de 43 anos, há sete vive exclusivamente do carnaval, tendo feito fantasias para várias escolas de São Paulo. Depois de quatro meses sem renda, começou a trabalhar em dois empregos de telemarketing ganhando menos de um salário mínimo por mês. Vender marmitas, se desfazer de suas máquinas de costura e recorrer ao auxílio emergencial foram soluções para sobreviver. “O carnaval, apesar de muito marginalizado, sustenta muitas famílias que vivem diretamente desse trabalho e foi o mais prejudicado com a pandemia”, diz ela.
O serralheiro da escola X-9 Paulistana, de São Paulo, Wanderley Prata Monteiro, de 34 anos, conta que nos dois primeiros meses da pandemia ficou sem renda. “Depois começaram a aparecer trabalhos de reformas, solda e construção civil. E o auxílio emergencial também fez diferença”.
Para o diretor-geral da escola paulista Barroca Zona Sul, Marcus Paulo Tibechrani, a situação foi ainda pior. “Fiquei nove meses sem renda, sobrevivi com uma reserva”.
Uma pequena poupança também foi o que salvou o carnavalesco da Tom Maior, André Marin, nos primeiros meses da pandemia. “Também fiz alguns trabalhos como freelancer e fui eliminando gastos, mas agora estou preocupado, pois o dinheiro está acabando”.
Matéria publicada originalmente no jornal A Voz da Favela de fevereiro de 2021.
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