A comunidade Sítio Santa Francisca, localizada no bairro do Ibura, zona Sul do Recife, vem sendo ameaçada pelo Governo Federal e pela Ferrovia Transnordestina de ter seus moradores despejados e terem suas casas demolidas.
As cerca de 300 famílias residentes no território reivindicam o direito básico à moradia, visto que estão recebendo ameaça de despejo, mas não obtiveram nenhuma proposta de indenização.
A ocupação do território teve início em 1994, e em 2011 a Ferrovia Transnordestina entrou com uma solicitação de reintegração de posse, mas o processo foi adiado, dando início à batalha que se arrasta até os dias atuais.
A reintegração de posse havia sido marcada para esta terça-feira (2) de março, mas não ocorreu. A comunidade Sítio Santa Francisca recebeu a notícia de que foi estabelecido um novo prazo de 90 dias para que os moradores deixem as suas casas e a empresa articule a reintegração. Os moradores seguem aflitos na apreensão de serem surpreendidos pela demolição.
Muitas crianças e idosos vivem na comunidade Sítio Santa Francisca, e temem ir para a rua sem qualquer assistência. O Governo Federal e a Transnordestina se negam a pagar indenização às famílias, ou seja, querem que simplesmente saiam das casas.
A comunidade está se reunindo em busca de solução e vem recebendo apoio de organizações da sociedade civil e instituições voltadas para a defesa dos direitos humanos. O Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) e a Defensoria Pública da União (DPU) estão agindo nas instâncias jurídicas para apoiar a causa da comunidade. Alguns mandatos também estão apoiando a causa em defesa da moradia, como as Juntas codeputadas e os vereadores Dani Portela e Ivan Moraes.
Estamos em meio à pandemia do coronavírus e, após um ano de muitas mortes, o que se sabe é que cuidados como usar máscara, ficar em casa e lavar as mãos podem reduzir o número de infectados e, consequentemente, de vítimas fatais. Mas como ficar em casa se sua família está sendo ameaçada de despejo pelo Governo que deveria zelar pelas vidas das pessoas? Como proteger idosos e crianças vulnerável nas ruas, sem ao menos um teto e água na torneira para lavar as mãos?
As famílias ameaçadas de despejo realizaram um protesto no dia 12 de Fevereiro, onde interditaram a Avenida Recife com queima de pneus, na entrada do bairro do Ibura. A polícia foi acionada e utilizou força excessiva para impedir a manifestação da população. Fortemente armados e sem identificação, os agentes empunhavam armas de grande porte, definitivamente desproporcionais ao contexto do ato.
O BOPE chegou ao local e todos os agentes faziam uso de balaclava. Por haver muitas crianças e idosos no ato, a comunidade decidiu em votação liberar a via, prezando pela integridade física de seus familiares.
Anailde Alves, 50, comerciante e moradora da comunidade, tem quatro famílias morando no local, entre noras, filhos e netos e afirma que não tem condições de pagar aluguel.
“A gente não tem condições de pagar aluguel, a gente vive de ajuda, essa pandemia tá muito grande e um ajuda o outro. Meus filhos me ajudam, eu ajudo eles, vendo um acarajé pra sobreviver. A gente não tem condição de sair de um dia para o outro com a mão abanando. Vai viver de quê? Eu mesma estou sem dormir, estou tomando remédio, eu não durmo mais, quando eu olho para as minhas paredes eu boto pra chorar, de pensar que vou perder tudo sem ganhar nada. E eu acho isso uma injustiça muito cruel com os moradores daqui. Queremos ajuda, porque somos uma comunidade humilde, ninguém aqui tem condição de pagar aluguel”.
“A gente está dependendo dos políticos, e eu queria que eles se mobilizassem, tem muita criança, tem muito idoso. Não tem uma academia, não tem uma pracinha, nada pra educar nossos filhos, nossos netos. Temos um posto mas é mesmo que não ter, porque não atendem a gente bem. Vivo tomando remédio dos nervos, toda vez que eu vou no posto não tem, se eu não comprar eu não tomo. Moro aqui há vinte anos, e querem só que a gente saia, sem oferecer nada. A gente não pode sair assim. Eu creio que vai haver alguma justiça pra nós, eu penso nos meus filhos, penso nos meus netos e na minha vizinhança”, desabafa Anailde.
Israel Martins, recepcionista e morador da comunidade há 50 anos, conta que as famílias estão desesperadas sem saber o que fazer. “Contrataram uma empresa para demolir as casas, mas o prazo foi dado porque a contratação não foi concluída, no entanto, à medida que contratarem, eles vão querer cumprir a ordem judicial que é de reintegração de posse. Esse processo vem sendo acompanhado pela Defensoria Pública da União desde 2012, já houveram diversas audiências, mas nem o Governo do Estado, nem a Prefeitura do Recife, nem a Transnordestina apresentaram indicativo de para onde nós iríamos. Em 2016, a juíza da 5ª Vara Federal suspendeu o processo”, explica Israel.
A comunidade denuncia que o sistema utilizado para comunicar os moradores sobre a reintegração mudou. As intimações estão sendo divididas em grupos menores, e enviadas separadamente, para que não seja apresentada a real quantidade de pessoas que vivem no local.
“Esse ano eles fatiaram a quantidade de casas e alguns juízes deram a reintegração de posse de novo, então eles vão correr atrás e a gente também para que isso não aconteça. Fatiaram as trezentas casas em grupos de dez, para o juiz considerar que é uma pequena parte da população que reside no local e encaminhar a reintegração”, relata Israel.
No fim da tarde do dia 24 de Fevereiro, um trem da empresa em questão passou no local e destruiu toda fiação elétrica das moradias. Os moradores relatam que desde a criação da comunidade isso nunca havia acontecido, levantando portanto a hipótese de atitude proposital afim de pressionar psicologicamente as famílias.