Nos anos 1970, as narrativas orais relatam como a militância feminina era destacada pelo senso de humor e o riso. Quando estavam juntas, as mulheres eram livres para uma boa gargalhada de qualquer assunto que fosse.
O riso é instrumento de trabalho do grupo As Marias da Graça. Pioneiras na palhaçaria feminina do Brasil, constituído em 1991 e protagonista no fomento à articulação, discussão e troca de experiências entre mulheres que se dedicam à palhaçaria. As palhaças Indiana da Silva, Iracema, Maffalda dos Reis e Shoyu trazem um olhar divertido e irreverente apontando temas contemporâneos e polêmicos sob a ótica feminina.
Em 2011 o grupo “As Marias da Graça” tornou-se ponto de cultura por meio de um edital de fomento do Estado e a partir daí criou o projeto “Comicidade e palhaçaria para mulheres vítimas de violência doméstica”. Depois de uma pausa, o projeto retoma em 2021 com o nome de “Mulheres Visíveis – A palhaçaria como caminho de autoconhecimento” e será realizado pela primeira vez online, com a exibição do espetáculo “Zabelinha”, seguido de uma roda de conversa sobre violência doméstica a partir do prisma do espetáculo, usando a arte para facilitar a troca e o diálogo. Ao todo, serão atendidos 6 grupos de mulheres que já são assistidas por programas de apoio às mulheres vítimas de violência doméstica.
Samantha Anciães, palhaça e coordenadora de produção no grupo, diz que: “É desafiador até pela nova experiência do virtual. Mas foi bastante produtivo e gratificante. Já colhemos depoimentos lindos, em 2 dias de encontro. A diferença da chegada, para a saída delas é enorme. Todas rimos, e transmutamos a dor. As mulheres que estamos trabalhando, já são assistidas pelos programas da Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Mulher (SPM-Rio), então muitas já estão no processo de libertação desses agressores”.
“Mulheres Visíveis” é voltado para mulheres assistidas pelas casas: Casa da Mulher Carioca Tia Doca, Casa da Mulher Carioca Dinah Coutinho e Ceam Chiquinha Gonzaga. São 6 grupos, dois grupos de cada instituição. Na programação as participantes têm acesso ao espetáculo Zabelinha, seguido de roda de conversa e oficina de palhaçaria com a Karla Concá. Samantha conta como é retratar cenas de fatos reais – a violência contra a mulher, “a palhaça, que sou eu mesma. Mas de todo modo, contamos uma história coletada da tradição oral, e as palhaças interferem na história, trazendo os seus pontos de vista. E fazendo um paralelo do texto com as nossas próprias vivências”.
As Marias da Graça é formado por Karla Concá, Geni Viegas, Samantha Anciães e Vera Ribeiro. Premiadas pelo Global Fund for Women, em San Francisco, EUA, fazem parte do projeto de aceleração do Instituto Ekloos dentro do Labora, programa do Oi Futuro voltado para a inovação social. Em 2019, lançaram um canal exclusivo no YouTube, recheado de esquetes inspiradas em questões cotidianas protagonizadas por mulheres.
Romper a barreira do preconceito na arte da palhaçaria feminina é um tema comentado por Anciães, “foi um processo. Em muitos momentos foi necessário “Não dar ouvidos” ao que era dito. Ainda hoje é desafiador, pois o machismo que rege a dramaturgia das cenas tradicionais circenses, é violento. Mas estamos construindo nossa própria dramaturgia e seguindo nosso caminho. É muito potente”.
Mulheres Visíveis – A palhaçaria como caminho de autoconhecimento recebe incentivo cultural através da Lei Aldir Blanc.